O corte orçamentário imposto pela Assembleia Legislativa à proposta anual apresentada pelo Tribunal de Justiça tem provocado justificada reação de corporações do Poder Judiciário, as quais denunciam a inviabilização de diversos projetos estratégicos que importariam em melhoria do atendimento à população.

Numa quadra em que as estatísticas revelam que a Justiça Estadual do Ceará ocupa as últimas posições do País em indicadores importantes como o número de servidores, é contraditório, de fato, que o Parlamento não se mostre sensível a essa realidade, e imponha corte de receitas. Parece não atentar para o fato de que o déficit de atendimento do Judiciário gera vazios de cidadania.

A postura do Parlamento, contudo, não chega a causar surpresa. Compõe um cenário mais amplo, com claras manifestações no plano nacional, e que diz com a dificuldade atávica do Judiciário no que respeita ao trato com os demais Poderes sempre que em jogo questões circunscritas à esfera decisional política. No diálogo interinstitucional, os magistrados parecem falar – e, na realidade, falam – uma língua diferente, orientada por lógica distinta.

A questão central é: em que termos se deve travar a atuação do governo do Judiciário para, no trato com o Executivo e o Legislativo, assegurar receitas necessárias à implementação de políticas de acesso à Justiça, fazendo valer a autonomia financeira assegurada pela Constituição? Haveria negociação possível sem comprometimento de valores republicanos, especialmente quando em conta que as relações não se travam em ambientes ideais, em que todos estejam movidos pelo mesmo espírito ?

A cautela do Judiciário em não se submeter às vicissitudes da negociação política, ainda que não possa ser identificada como um desvirtuamento, antes pelo contrário, parece conduzir a que esteja fadado a apelar para a sensibilidade dos governantes de plantão, que, por sua vez, não parecem dispostos a alforriar os magistrados da política do pires na mão.

Marcelo Roseno de Oliveira
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Juiz de Direito e professor universitário