A 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) decidiu, em recente julgamento, que o crime de ocultação de cadáver, por sua natureza permanente, não prescreve e não está abrangido pela Lei de Anistia (Lei 6.683/1979). O entendimento reafirma que delitos cuja consumação se prolonga no tempo — como a ocultação dos corpos de desaparecidos políticos durante a ditadura militar — permanecem em curso enquanto não houver a revelação do paradeiro das vítimas, mantendo-se, portanto, fora do escopo temporal da anistia.

A decisão envolve o caso do ex-médico legista José Manella Netto, acusado de forjar o laudo necroscópico do militante político Carlos Roberto Zanirato, morto em 1969 sob custódia de agentes da repressão. Embora o laudo oficial tenha apontado suicídio como causa da morte, há indícios contundentes de tortura, e o corpo jamais foi encontrado, um quadro que configura, segundo o TRF-3, a continuidade do crime de ocultação de cadáver.

O desembargador Ali Mazloum, relator do caso, ressaltou que “o núcleo do tipo penal consiste no verbo ‘ocultar’, que denota a ideia de permanência, significando esconder ou fazer desaparecer o cadáver”. Diante disso, o colegiado concluiu que o delito segue sendo praticado até que a localização do corpo seja efetivamente esclarecida.

A relevância desse entendimento não se restringe ao caso concreto, mas dialoga diretamente com um tema que segue em debate no Supremo Tribunal Federal (STF): a possibilidade de punição de crimes permanentes cometidos durante o regime militar, mesmo diante da Lei de Anistia. O STF reconheceu a repercussão geral dessa discussão, em iniciativa liderada pelo ministro Flávio Dino, destacando que a continuidade da ação criminosa após a promulgação da anistia impede a aplicação da lei aos delitos em curso.

Para o presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM), juiz José Hercy Ponte de Alencar, a decisão do TRF-3 representa um passo importante para a afirmação da justiça e da democracia. “O Judiciário cumpre seu papel ao interpretar as leis em sintonia com a Constituição de 1988 e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. A impunidade de crimes permanentes fere a memória, a verdade e a justiça. O reconhecimento de que a ocultação de cadáver transcende o marco temporal da Lei de Anistia reforça que o Estado Democrático de Direito não compactua com a perpetuação de graves violações de direitos humanos”, afirmou o magistrado.