Criado para defender os direitos das crianças e dos adolescentes brasileiros, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa nesta quinta-feira, 13 de julho, 33 anos. Entre as suas principais missões estão: garantir que as crianças e adolescentes sejam tratados como sujeitos de direitos e desenvolver políticas de atendimento à infância e à juventude. Porém, mesmo após tanto tempo desde a sua criação, o ECA vem enfrentando dificuldades para que esses direitos de fatos sejam cumpridos.
Para entender um pouco mais sobre os preceitos básicos do ECA e as ações que a sociedade e autoridades podem promover para fazer valer as premissas desse Estatuto, a equipe de comunicação da ACM conversou com a juíza Mabel Viana Maciel, coordenadora das Varas da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza. Confira como foi o bate-papo!
Equipe ACM: Sabemos que existem muitos direitos das crianças e adolescentes que precisam ser garantidos, porém gostaríamos que citasse aqueles principais que qualquer cidadão deveria saber.
Juíza Mabel Viana Maciel: Como são pessoas em desenvolvimento, crianças e adolescentes possuem mais direitos que adultos, direitos esses que lhe são específicos, dentre os quais estão o direito à convivência familiar, à não exploração do trabalho, à profissionalização, à alimentação e à inimputabilidade penal.
1) A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem que a família, a sociedade e o Estado têm a responsabilidade de garantir os direitos à vida, saúde, alimentação, lazer, cultura e outros direitos das crianças e adolescentes. A legislação reconhece crianças e adolescentes como espécie de credores desses direitos. De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal, as crianças e adolescentes têm primazia em seus direitos em todas as áreas, incluindo judicial, extrajudicial, social e familiar.
Isso significa que eles devem ser protegidos de qualquer forma de negligência, discriminação ou violência. Dentre os direitos específicos das crianças e adolescentes, podemos citar a preferência em receber proteção e socorro em qualquer circunstância, como acidentes, eventos naturais ou desabamentos. Eles também têm prioridade nos serviços de relevância pública, na execução de políticas sociais e na destinação de recursos para a área da infância e juventude. Essas disposições legais visam assegurar que crianças e adolescentes tenham acesso a condições adequadas de desenvolvimento e que seus direitos sejam respeitados em todas as esferas da sociedade.
2) O art. 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que as carreiras públicas que compõem o sistema de justiça devem estar abertas ao atendimento direto de crianças e adolescentes, sem quaisquer restrições. Isso significa que crianças e adolescentes têm o direito de procurar diretamente um promotor de justiça, um defensor público ou outro profissional do sistema jurídico para fazer valer seus direitos e solicitar auxílio, mesmo em casos envolvendo seus pais ou responsáveis.
Além disso, o art. 142 do ECA prevê que a autoridade judiciária nomeará um curador especial para a criança ou adolescente sempre que seus interesses entrarem em conflito com os de seus pais ou responsáveis. Embora seja comum que crianças e adolescentes busquem a justiça representados ou assistidos por seus pais ou responsáveis, a lei prevê situações em que isso não é possível e cria mecanismos para permitir o acesso direto da criança ou adolescente às autoridades que compõem o sistema de justiça. Isso inclui o direito de litigarem contra seus pais ou responsáveis sempre que ocorrer uma violação de seus direitos indisponíveis.
Esses dispositivos legais visam garantir que crianças e adolescentes tenham acesso efetivo à justiça, permitindo que eles façam valer seus direitos e obtenham proteção mesmo em situações complexas envolvendo seus pais ou responsáveis.
Um exemplo prático seria a postulação em juízo para receber um tratamento médico, mesmo em desacordo com a vontade dos pais, a exemplo de uma transfusão ou tratamento experimental.
Equipe ACM: Você acha que de fato esses direitos estão sendo assegurados ou ainda há o que avançar?
Juíza Mabel Viana Maciel: Sobre o cumprimento, em se tratando de um direito social, sempre há o que avançar. A exemplo disso, podemos citar que o Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer gratuitamente medicamentos, órteses, próteses e outras tecnologias assistivas relativas ao tratamento, habilitação ou reabilitação para crianças e adolescentes, de acordo com as linhas de cuidado voltadas às suas necessidades específicas liga-se diretamente à possibilidade de exigência judicial de cumprimento desse direito.
Isso nem sempre é cumprido e, ainda hoje, na justiça lidamos com diversos casos de crianças e adolescentes muitas vezes em situações de extrema vulnerabilidade social, que buscam o Poder Judiciário procurando uma determinação positiva no sentido de obrigar o fornecimento de próteses, tratamentos, etc. Também não é incomum que crianças busquem o Poder Judiciário para que seja garantida uma vaga em creche, em escola, por exemplo. Embora este último caso seja menos comum que pleitos referentes a tratamentos de saúde.
Equipe ACM: Como você acredita que a sociedade pode contribuir para que esses direitos sejam assegurados?
Juíza Mabel Viana Maciel: Sempre que a sociedade entender que houve uma violação de direitos da criança e do adolescente, deve procurar a Defensoria Pública ou Ministério Público para fazer seus direitos, como o acesso de negativa ao fornecimento de medicação, prótese, vaga em escola ou creche. Isso garante que a criança e adolescente terá seus direitos garantidos por lei devidamente cumpridos.
O Ministério Público nesses casos pode acionar a Secretaria de Saúde ou educação e, caso não resolva, demandar judicialmente contra o ente público que descumpriu a norma constitucional. Ainda no campo prático, o contribuinte pode destinar parte do seu imposto de renda a programas da infância. Essa é um programa do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, chamado “Se renda à infância”. No site do CNJ, há um passo a passo de como destinar parte do imposto a um fundo municipal ou estadual específico. A destinação do Imposto de Renda para programas que beneficiam as crianças é uma opção pouco conhecida, mas de suma importância, para viabilizar o financiamento de programas em prol da população infantojuvenil.