Quando um conflito de família deságua na justiça, vários aspectos devem ser considerados pelo juiz para além do jurídico. Muitas vezes, o conflito envolve questões emocionais e até de ordem psicológica das partes envolvidas no respectivo processo. A função jurisdicional, em todo e qualquer ramo do Direito, é a de pacificação social e no Direito de Família essa função pacificadora revela-se ainda mais fundamental, já que ninguém ignora a importância da família como base da sociedade. Nesse contexto, a responsabilidade do juiz que atua nessa área, cumprindo sua função de compor conflitos, é extremamente relevante.

De acordo com magistrado da 16ª Vara de Família de Fortaleza e diretor de Comunicação Social da ACM, Cléber de Castro Cruz, todo juiz que atua na jurisdição de uma Vara de Família possui inúmeros casos em que a atuação do magistrado se revelou de suma importância na composição do conflito.

“As situações litigiosas envolvendo pessoas de uma mesma família, muitas vezes, são delicadas, permeadas por ressentimentos e outros sentimentos que acentuam o litígio, o que demanda do magistrado uma visão humanitária que vai além do conhecimento jurídico entorno das questões conflituosas”, considera o juiz.

O magistrado comentou sobre um processo emblemático vivenciado por ele em que uma mãe pedia a retomada da guarda de sua filha, concedida ao pai, por outro juiz, em outro Estado, onde mãe e a filha moravam após o divórcio dos pais. Tudo ocorreu por conta de uma suspeita de que o então companheiro da mãe da criança abusava da menor. Segundo o juiz, embasado em tal suspeita, o pai da infante obteve a guarda provisória da menor e trouxe a criança para o Ceará, onde o genitor já morava. Assim, mãe e filha, perderam contato por vários anos. O genitor não permitia sequer o convívio virtual entre elas.

Sobre o caso, comentou o Juiz: “A mãe da criança entrou com um processo para reaver a guarda da filha e a ação passou a tramitar na minha Unidade Judiciária. Lembro-me de que na primeira audiência entre as partes determinei que mãe e filha, em audiência, tivessem um primeiro contato virtual por celular, o que já não ocorria por anos de separação determinados pelo pai da menor. Foi uma situação emocionante. A própria criança sentia muita falta da mãe e o contato ainda que superficial comoveu a todos os presentes. A meu ver, restou claro que o pai da criança, de certo modo, quis punir, a seu critério, a mãe da menor porque a genitora acreditou na inocência de seu companheiro, padrasto da criança, pessoa que acabou sendo absolvida da acusação de abuso, por falta de provas”, disse o juiz.

Ainda sobre o dito processo o Juiz Cléber Castro falou que “Ao final do processo a guarda não foi restabelecida em favor da mãe da menor, porque a criança já estava totalmente adaptada à ambiência paterna. De toda sorte, a sentença disciplinou amiúde a convivência entre mãe e filha, resguardando a segurança da infante e o direito dela de conviver com sua mãe. As partes, apesar de todos os esforços empreendidos no processo, não foram capazes de, por elas mesmas, comporem o conflito mediante uma conciliação. Nesse caso, a intervenção judicial foi absolutamente necessária para compor o conflito. Dada a sentença, acreditei que tanto o pai, quanto a mãe da criança iriam recorrer. Mas, para a minha surpresa, ambos concordaram com a decisão. Anos depois, vi mãe e filha, de mãos dadas, passeando num shopping de Fortaleza. Fiquei feliz com a cena que acompanhei brevemente à distância”, disse o juiz ao relembrar do caso.

Ainda de acordo com o juiz Cléber de Castro, o melhor caminho para composição de conflitos familiares, sem dúvida alguma, é o da conciliação, especialmente quanto há interesses de filhos menores comuns nas ações, por exemplo, de guarda, alimentos, convivência, dentre outros. “Costumo dizer às partes em audiência que os melhores juízes para decidir a respeito dos interesses de seus filhos são os próprios pais. Intermediados por um terceiro, é possível tirar dos genitores uma solução conciliatória muita mais completa e eficaz. Contudo, nem sempre a conciliação mostra-se possível e são diversos os fatores que inviabilizam a composição entre as próprias partes”, falou o magistrado. “Dentre esses fatores nas causas de família, destaca-se o final, por vezes, traumático de um relacionamento, onde muitas vezes os interesses de filhos são relegados a um segundo plano. É necessário fazer com que as partes percebem a situação danosa aos interesses dos filhos comuns e mediante concessões recíprocas consigam uma composição. Alcançada a conciliação, o conflito tende de fato a encerrar-se, em definitivo, pois as próprias partes se sentem responsáveis pelo acordo a que elas mesmas conseguiram chegar.”

Nas causas de família, portanto, sendo possível a conciliação, deve a solução alcançada por meio do processo litigioso ser evitada. Por isso mesmo a legislação processual determina que todos os mecanismos necessários e possíveis a uma conciliação devem ser buscados pelo Poder Judiciário e todo juiz de uma Vara de Família tem absoluta consciência de seu constante dever de buscar entre as partes uma solução consensual para o conflito.