Um dia após o presidente do TJ-CE ter criticado o sistema recursal brasileiro, O POVO verificou que a reforma do CPC não prevê mudança brusca na quantidade de recursos existentes. Contudo, propõe mecanismos para inibir o uso abusivo
Quando a festa do Carnaval terminar, na segunda semana de fevereiro, uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados deverá, finalmente, discutir e votar o polêmico projeto do novo Código de Processo Civil (CPC) – cujo objetivo é reduzir a burocracia e tornar a Justiça mais rápida. A proposta tem cerca de 1.080 artigos. Entre os mais controversos, estão os que tratam de nosso sistema recursal, apontados por setores do Judiciário como um dos fatores responsáveis pela lentidão do Poder.
De acordo com o presidente da Comissão na Câmara, deputado federal Fábio Trad (PMDB-MS), não há, na atual proposta, mudança brusca na quantidade de recursos disponíveis hoje. Ele argumentou ao O POVO que essas ferramentas são imprescindíveis à ampla defesa dos réus e que esse modelo não é o culpado pela morosidade da Justiça.
“Você tem o problema de gestão dos tribunais, o descompasso entre o número de juízes e a população, a dificuldade estrutural, financeira… Todas essas questões contribuem, não é apenas a questão recursal”, afirmou o parlamentar.
Conforme O POVO publicou ontem, o novo presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), Luiz Gerardo de Pontes Brígido, criticou a “imensa gama” de recursos existentes e disse que o atual modelo – no qual a parte perdedora tem direito a vários instrumentos para tentar reverter a decisão – “não é de país civilizado”.
O presidente da Associação Cearense dos Magistrados, Ricardo Barreto, reforçou o argumento. “Esse sistema é extremamente problemático e retira a eficácia da decisão judicial. O juiz de primeiro grau se sente um tolo, sabendo que sua decisão, muitas vezes, não vai definir nada. Para se ter ideia, eu tenho processos que se arrastam desde 1997 por causa de tantos adiamentos. Seria preciso haver tetos de recursos, situações em que não se permitissem mais que o perdedor recorresse”, avaliou.
Perspectivas
Para o deputado Fábio Trad, o desafio é acelerar os passos da Justiça sem comprometer o direito à defesa. Por isso, segundo ele, estão sendo propostos mecanismos como o aumento das custas processuais para quem decidir recorrer. Segundo dados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), atualmente, as custas em instância inferior tem valor médio de R$ 180,00.
Outra mudança proposta é incide no preço da multa para quem abusar dos recursos chamados “embargos declaratórios” (ver quadro) para tentar adiar a conclusão dos processos. Caso o projeto seja aprovado, a multa passa a ser de 2% do valor da causa e de 10% caso haja reincidência.
ENTENDA A NOTÍCIA
O projeto de reforma do CPC será discutido e votado pela Comissão Especial e, só depois, levado ao Plenário da Câmara. Após essa etapa, o projeto volta ao Senado, onde foi originado, e passa por nova apreciação
SERVIÇO
Saiba mais sobre a proposta do novo CPC
Onde: www.camara.gov.br
Vá ao menu “Atividades Legislativas” e clique em “Comissões”, escolhendo a opção “Comissões temporárias”
Tipos de recurso
O sistema judiciário do Brasil é o romano-germânico, semelhante ao de países da América Latina, de quase toda a Europa e Ásia. Veja algumas espécies do nosso sistema recursal.
Apelação: é o recurso contra a sentença proferida pelo juiz de primeiro grau, que busca reformar ou invalidar a decisão. A parte prejudicada recorre à própria instância inicial.
Embargo declaratório: é utilizado quando a parte acha que o julgador não foi claro o suficiente em sua sentença ou não embasou satisfatoriamente sua decisão;
Embargo infringente: quando há decisões sem unanimidade dentro dos tribunais, o réu pode entrar com esse tipo de recurso, para tentar reverter uma decisão desfavorável;
Agravo de instrumento: é usado quando um juiz nega algum pedido e, com isso pode causar lesão grave e de difícil reparação à parte;
Agravo retido: o recurso fica retido nos autos do processo e só é examinado após o julgamento;
Recurso especial: feito ao Superior Tribunal de Justiça, contra decisões de outros tribunais. Também é usado para pacificar a jurisprudência, ou seja, para unificar interpretações divergentes sobre o mesmo assunto;
Recurso extraordinário: de competência do Supremo Tribunal Federal, restrito às causas decididas em única ou última instância.
O que pode mudar?
A reforma do CPC tramita no Congresso. Veja o que propõe o projeto que está para ser votado na Câmara e, depois, seguirá para o Senado. Ainda pode haver modificações.
Fim do agravo retido e do agravo infringente: em relação a este último, propõe-se que, nos casos em que não houver unanimidade na sentença, outros dois julgadores serão convocados para desempatar, endossar ou reformar uma decisão;
Estímulo a formas alternativas de solucionar uma causa. Antes mesmo de o réu se defender, o juiz deverá, obrigatoriamente, tentar uma conciliação, para tentar evitar que o processo se estenda;
Incidente de resolução de demanda repetitiva. Tem como objetivo reduzir os casos de interpretações e decisões diferentes para temas idênticos, submetendo processos semelhantes ao julgamento de um mesmo juiz ou colegiado;
Aumento das custas sobre processos. O objetivo é desestimular o uso exagerado de recursos a partir da ampliação do percentual das custas, de acordo com o valor da causa. Assim, a parte poderá até recorrer, mas ciente de que terá de pagar mais;
Já se prevê multa para quem fizer uso abusivo de recursos. Há previsão de aumento da multa (para 2% do valor da causa) no primeiro embargo declaratório. Caso haja insistência, 10% do valor.