“As dificuldades alcançam uma dimensão sistêmica”. Esta foi uma questão enfatizada pelo presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM), Marcelo Roseno, durante reunião que discutiu a situação do Poder Judiciário Estadual. O debate, que teve como tema “Judiciário e Advocacia, como melhorar?”, ocorreu nesta 2a. feira, dia 05 de setembro, durante sessão extraordinária do Conselho Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil. Além de integrantes das duas entidades, o evento também contou com a presença do presidente da Associação Cearense do Ministério Público (ACMP), Rinaldo Janja, e do presidente da Associação dos Defensores Públicos do Ceará (Adpec), Adriano Leitinho.

Em sua fala inicial, o presidente da OAB-CE, Valdetário Monteiro fez um apanhado do Movimento “Justiça Já” e demonstrou preocupação de que a atuação da Ordem pudesse ser qualificada como movida por interesses “politiqueiros”, dado o estado de “ebulição política permanente” vivido pela entidade. Valdetário salientou que as questões levantadas pelo Movimento eram provenientes de uma ampla consulta feita aos advogados de diversas comarcas do Ceará. O presidente da Ordem demonstrou preocupação em relação à atuação do Judiciário, mas colocou suas críticas não na figura do magistrado, mas no próprio sistema. Valdetário citou casos em que um juiz responde por oito comarcas, tornando seu trabalho desumano. “É inconcebível não perceber que esse problema é de todos”, afirmou.

Na mesma linha, o presidente da ACM, lembrou que a situação atual do Judiciário é fruto de carências que se acumularam ao longo do processo histórico. Roseno indicou que hoje já é possível perceber avanços, que são resultado de uma espécie de “pacto republicano” local que, em 2009, envolveu esforços dos três Poderes para expandir a Justiça do Ceará, aumentando o número de magistrados e reformulando a carreira. Roseno embasou sua argumentação nos dados do último relatório “Justiça em Números” que mostra o aumento da produtividade da Justiça local e do incremento de investimentos no Poder Judiciário.

Críticas responsáveis
No entanto, Roseno não se eximiu das críticas, mas pontuou que elas devem ser feitas com seriedade. “A magistratura não pode se fechar. Estamos vivendo um outro momento histórico, de valores republicanos, de controle social. É o momento de ouvir e dialogar. Estamos abertos às críticas, mas que elas sejam feitas com sobriedade. Não aceitamos críticas generalizadas e sensacionalistas, que desgastam e expõem gratuitamente o Poder Judiciário, alçando dúvidas sobre o compromisso dos magistrados cearenses ”.

Ao longo do debate muitos pontos foram repetidos, sobretudo, no sentido de salientar que além de investimento financeiro, é preciso investir em gestão e planejamento das ações do Judiciário. Adriano Leitinho, presidente da Adepec, faz críticas à reforma do Fórum e ao processo de virtualização, demonstrando a falta de diálogo para fazer um planejamento conjunto das ações que repercutam no Sistema de Justiça.

O ponto relativo ao diálogo entre às instituições pareceu crucial quando o ex-presidente da ACM, Michel Pinheiro, tomou à palavra e não apenas enumerou pontos para a melhoria do Sistema, como afirmou que, em 2003, já havia feito um movimento semelhante na magistratura sem que o mesmo tivesse maior ressonância. Por outro lado, o coordenador do Movimento Justiça Já, da OAB, Edimir Martins Filho, destacou que em nenhum outro momento o OAB havia sentado para conversar com o Judiciário sobre os problemas que atingem a ambos.

Visão sistêmica e dialogo
Um dos pontos levantados na discussão e que demonstra a complexidade do problema foi o fato de que mesmo autônomo e independente, segundo os ditames constitucionais, até hoje, o Judiciário não possui efetiva autonomia financeira. Na avaliação do membro do Fórum Estadual Permanente em Defesa da Justiça e da Federação de Oficiais de Justiça do Brasil, João Batista Fernandes, um dos pontos que demonstram que boa vontade não é suficiente é a incapacidade do Judiciário de ter um orçamento próprio e autônomo em que possa, de maneira independente, priorizar o investimento em áreas que ache mais convenientes para seu melhor funcionamento.

Ao lado de outros integrantes da diretoria da ACM, ao ouvir atento todos as questões levantadas no debate, o diretor da entidade, Ricardo Barreto lamentou que organização do evento não tenha chamado para o debate o presidente do Tribunal de Justiça e a procuradora-geral de Justiça. “É lamentável que uma iniciativa com esta natureza, que busque discutir e procurar respostas para os grandes problemas que afligem à sociedade cearense não tenha podido contar com a participação de gestores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do próprio Ministério Público”. Barreto lembra que apesar da importância das representações associativas, em grande parte as discussões ali travadas são da alçada dos chefes dos poderes.

Para Marcelo Roseno é possível identificar diversos problemas que causam a morosidade como a falta de juízes, servidores, a precariedade da estrutura física etc. Outros participantes da discussão salientaram à falta da padronização das varas, o mau atendimento etc. Contudo, da discussão, pareceu ser incontroversa a posição comum de que as soluções para os problemas elencados passam, necessariamente, pelo diálogo entre as instituições.