Projeto-piloto desenvolvido pelo Ministério da Justiça, o Magistrado de Ligação, como o nome indica, tem o papel de servir de ponte entre o Poder Judiciário de dois países, auxiliando na coleta de informações, envio de cartas rogatórias, localização da jurisdição adequada para determinado feito etc. O primeiro parceiro do Brasil no projeto é a França e a juíza Carla Deveille estréia na função mostrando toda a riqueza da experiência gerada pela confluência de cultura e leis tão diferentes. Aliás, o próprio Judiciário tem características diversas em cada país. A juíza francesa Carla Deveille é a primeira magistrada a exercer o chamado ofício de ligação não apenas no Brasil, mas em toda a América do Sul. O projeto abre portas para que um magistrado brasileiro também possa ocupar o cargo na França ou em outro país com o qual o governo brasileiro mantenha a parceria. Para esclarecer um pouco das funções de um juiz de ligação, Carla concedeu uma breve entrevista para o site da ACM. Confira!
ACM: É a primeira vez que o cargo de juiz de ligação é exercido no Brasil. Então, gostaria que a senhora esclarecesse sobre o que a função acarreta? Como se dá a interlocução entre o magistrado de ligação e os órgãos judiciais dos países em que ele é responsável por interligar?
Carla Deveille: O Ministério da Justiça de um país envia um magistrado para Ministério da Justiça ou Embaixada de outro país, para ligar os órgãos judiciais de ambos os países. O magistrado de ligação é um cargo que existe na Europa desde 1997. É a primeira vez que a França, ou qualquer país europeu, envia um magistrado de ligação responsável por toda a América do Sul. E o papel desse magistrado é de agilizar e apressar o cumprimento de decisões judiciais que envolvam os dois países, contactando tanto os juízes, como membros do Ministério Público do país de origem com os da região pelo qual aquele magistrado de ligação é responsável.
ACM: Em um mundo globalizado, com ligações econômicas, políticas e até mesmo judiciais, este projeto pode ser o início de algo mais sistemático?
Carla Deveille: Sim, poderia ser, mas eu não posso falar por outros países. A maioria dos países desistiu de enviar um magistrado de ligação para o Brasil. Já a França teve muito interesse de ter esse ofício aqui, porque é um país muito importante, com quem nós, franceses, temos muitos laços.
ACM: O modelo judicial exercido no Brasil possui diferenças em relação ao da França, seu país de origem. Quais as maiores dúvidas na tramitação dos processos e como solucioná-las?
Carla Deveille: Geralmente, os magistrados franceses entram em contato comigo para saber como e a quem dirigir seu pedido, como deve ser redigido e apresentado, que tipo de pedido pode ser feito, são essas as dúvidas. Como não sou juíza do Brasil e não tenho essas informações todas. Só depois que os colegas brasileiros me passam informações, é que possuo o esclarecimento a cerca do assunto e, então, as repasso. Vou tendo uma experiência própria, a experiência de como funciona o sistema brasileiro, que posso repassar para meus colegas franceses.
ACM: E quanto à organização judicial, o que você avalia de negativo e positivo no Brasil?
Carla Deveille: Aqui há muitos casos! Desde que eu cheguei, já recebi pelo menos 15 pedidos, o que é quase o volume que normalmente um juiz francês envia por ano. Também é difícil prever qual o caminho que o pedido vai seguir. Às vezes pode ser um auxilio direto, às vezes pode ser um caminho mais longo, passando pelo Supremo Tribunal de Justiça, outras vezes o juiz vai poder executar o pedido logo. Há caminhos que são pouco rígidos e outros mais exigentes, não dando o tempo necessário para a execução dos pedidos.
ACM: Qual a sua expectativa acerca desse período que você passará exercendo a função de juíza de ligação no Brasil?
Carla Deveille: Estou no meu cargo desde fevereiro e a duração é de três anos. Posso ficar esse tempo todo aqui no Brasil. É um período de criação. Se é de criação, supõe-se que há muitas coisas a fazer aqui. E pode ser que haja outros juízes de ligação depois de mim e pode ser que o Brasil envie também magistrados de ligação para a França.