“Eu acho possível a gente dar um primeiro passo em relação a isso porque essas coisas não se resolvem de uma hora para outra”. A afirmação é do presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), desembargador Fernando Ximenes, em relação ao projeto de redução do percentual da diferença de entrância da magistratura cearense. Para ele, o cenário é favorável à aprovação do projeto em 2009, a partir do aumento da remuneração da magistratura pelo Congresso Nacional.
O presidente do TJCE concedeu entrevista à Comunicação da Associação Cearense de Magistrados (ACM), em 03 de novembro. Ele fez um balanço dos dois anos à frente do Tribunal, destacou os avanços conquistados, comemorou os índices de desempenho do Poder Judiciário cearense e disse que é preciso primeiro um planejamento estratégico para depois se pensar em aumentar o número de juízes.
Confira a seguir a entrevista na íntegra:
ACM – São quase dois anos à frente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Ainda em 2007, no seu discurso de posse, o senhor apontava entre as questões fundamentais a de fortalecer a magistratura de primeiro grau e alterar a estrutura da máquina administrativa. De lá para cá, como o senhor avalia esses pontos em específico? O que foi que avançou e o que o senhor ainda considera desafio?
Des. Fernando Ximenes – Creio que nós temos dado cumprimento ao nosso discurso de posse. Em primeiro lugar, fortalecemos a máquina administrativa quando fizemos logo no início da gestão uma reforma na estrutura administrativa do Poder Judiciário extinguindo 16 cargos comissionados. Isso possibilitou, sem nenhuma despesa, criar alguns órgãos eminentemente necessários. Daí criarmos uma secretaria de Administração, desvinculada à secretaria de Finanças, que anteriormente eram juntas. Criarmos a secretaria de Planejamento, para podermos fazer um planejamento estratégico, que até então o Tribunal não tinha nenhum tipo de planejamento. Nós entendemos que o planejamento é importante, não porque não se erre com planejamento, mas porque planejando você erra menos. Outra foi a criação da assessoria especial da presidência, que existia informalmente e nós criamos essa estrutura de uma maneira formal. Mexemos nessa estrutura, procuramos criar secretaria Judiciária, que é o órgão fim, e demos todas as condições de trabalho. Conseguimos muito mais agilidade na publicação de acórdãos. Eram publicados em torno de 45 dias e passaram a ser publicados em três dias. Determinados mecanismos permitiram que os julgamentos melhorassem. Tanto que nós, com o auxílio de desembargadores das secretarias de câmara, conseguimos aumentar em mais de 75% o número de processos julgados nesses quase dois anos. Em relação a magistratura de primeiro grau, realmente demos condições de trabalho. Percorri o interior do Estado e vi que faltavam equipamentos, faltavam móveis. Hoje nós temos outro mobiliário, tiramos todos os computadores antigos e colocamos novos, começando pelo Interior do Estado. Aumentamos os pontos de redes de informática para que o interior. Procuramos também fazer reparações em fóruns que estavam precisando e estamos construindo fóruns novos. Então, estamos procurando resolver uma série de problemas inclusive com o novo concurso agora para os servidores públicos, para preenchermos as necessidades de servidores de primeiro grau, fora a lei de remoção.
ACM – O senhor acredita que o concurso vá resolver as carências de servidores?
DFX – Nada vai resolver, tudo vai melhorar. A vida é uma caminhada permanente. Em dois anos nós estamos recuperando muita coisa que estava sendo necessário ser feito.
ACM – O que foi mais gratificante nesses dois anos?
FX – O planejamento foi algo muito importante, o concurso, o novo plano de cargos e carreiras, o novo Código de Organização do Judiciário, que deve estar sendo aprovado pela Assembléia (Legislativa do Estado do Ceará) essa próxima semana. O Projudi (Processo Judicial Digital), processos virtuais, em todos os juizados especiais do interior e da capital e as turmas recursais. Compramos equipamentos para as turmas recursais. Estamos saneando nossas finanças, aumentando nossa capacidade de investimento com o dinheiro do Fermoju. Conseguimos mais do que dobrar a arrecadação do Fermoju, o que nos tem nos permitido fazer investimentos, chegamos a investir 19 milhões só em equipamentos de informática.
ACM– E o que foi dificuldade?
DFX – Primeiro é difícil porque a gente nem sempre conta com a compreensão das pessoas. É natural, é humano é compreensível. Mas acho que faz parte da luta do homem público e que depois o reconhecimento vem desse trabalho, que não é individual, mas de equipe. E é um trabalho que tem contato com o apoio dos servidores do Poder Judiciário, da magistratura estadual, aqui no Tribunal os colegas todos têm dado apoio a essas iniciativas, bem como os juízes de primeiro grau. É um trabalho conjunto que permitiu que a gente contasse. Todas essas questões recorrentes da reforma do Judiciário, das resoluções do Conselho Nacional de Justiça, com certeza depois das providencias que tomamos, com certeza os indicadores do Tribunal, no próximo ranking do conselho nacional de justiça estarão consideravelmente melhores. Porque criamos uma comissão de estatística, um comitê de gestão financeira, que examina todos os investimentos do tribunal, então as coisas foram feitas com muito profissionalismo, cuidado com dinheiro público, o que está nos permitindo tomarmos uma série de medidas como o plano de cargo e carreiras, que vai inclusive gerar despesa, permitiu que reajustássemos as diárias de viagem dos magistrados em 2007 e agora em 2008. aumentamos o vale-refeição em 100%. Não só o valor mas a abrangência dos servidores beneficiados pelo vale-refeição. Enquanto apenas 130 servidores eram beneficiados, agora 1.750 serão beneficiados ainda este ano.
ACM – Desembargador, uma questão de muito interesse dos juízes cearenses é a redução do percentual da diferença de entrância. O senhor considera viável essa proposta?
DFX – Eu acho possível a gente dar um primeiro passo em relação a isso porque essas coisas não se resolvem de uma hora para outra. É preciso que haja um estudo dessa repercussão e naturalmente, depois, temos que levar o assunto ao Tribunal Pleno. Mas acho algo viável até porque no próximo ano deverá haver um aumento da remuneração magistratura como um todo, em dois anos não há. A gente espera que o Congresso Nacional possa aprovar o aumento da magistratura nacional, magistratura federal porque só aí nos permite a fazer um estudo para manter nesse patamar, nessa relação que mantemos com os ministros do supremo. Tudo isso nisso nós estamos prevendo na nossa projeção para o ano de 2009. De modo a que essas providencias sejam tomadas sem que haja prejuízo ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
ACM – Então o senhor considera que a proposta é viável somente para o ano de 2009?
DFX – Claro, essa proposta mesmo sendo encaminhada agora ela terá que ter vigência a partir de 2009.
ACM – O Poder Judiciário do Estado vem acumulando bons resultados na semana de conciliação, na prestação da atividade jurisdicional. Qual a expectativa para a semana de conciliação deste ano?
DFX – A expectativa é que o Ceará continue dando exemplo ao Brasil. Nós estamos estimulando os juízes e servidores, de modo que a gente possa continuar a dando esse exemplo no sucesso da conciliação e nisso nós temos merecido reconhecimento do Conselho Nacional de Justiça. Tanto que eles pediram que a nossa assessoria de imprensa, bem como para o Dr. Mário Parente fizessem uma exposição sobre qual tem sido a estratégia para obter o resultado da conciliação.
ACM – Em outubro, a ACM lançou a Campanha Magistratura valorizada, Justiça fortalecida. Qual a sua avaliação sobre esse movimento?
DFX – Toda vez que você luta pelo fortalecimento do Poder Judiciário pensando não nos interesses individuais, mas nos interesses institucionais, merece todo o aplauso não só da presidência, mas de toda sociedade. Acho importante que nós lutemos para o fortalecimento dessa instituição tão fundamental para a garantia do estado democrático de direito. Mas isso deve ser feito em termos institucionais e não em termos pessoais. Esse fortalecimento passa pela boa formação do magistrado, pelo bom desempenho, aproximação dele da sociedade, para cumprir essa missão tão relevante.
ACM – Um dos pontos enfocados pela campanha diz respeito ao acompanhamento psicossocial do magistrado, para auxiliar na prevenção e cuidado dos casos de depressão e estresse. Há perspectivas de algum projeto nesse sentido?
DFX – Isso é importante. As pessoas que estão acometidas de estresse, depressão, muitas vezes não querem tratamento ou não se apercebem. Se a associação ela parte na defesa disso, poderá ajudar muito aos gestores do tribunal. Nós vivemos numa sociedade agitada e nós como magistrados, pela própria característica da nossa profissão, submetida ao estresse, com a responsabilidade que só temos de julgar o nosso semelhante. Se cada magistrado tivesse a consciência do que significa julgar o seu semelhante, talvez muitos poucos magistrados teriam coragem de ser magistrados. Você está julgando matéria que envolve a honra, a vida, a liberdade, o patrimônio das pessoas. Se encara a magistratura com a seriedade que se requer do magistrado, com o numero de processos que ele tem, de demandas judiciais, ele tem uma atividade muito estressada. Daí a razão de o magistrado ter por força da constituição 60 dias de férias por ano. Eu acho inclusive que essas férias deviam ser gozadas de maneira coletiva porque isso não só faz bem a quem exerce a magistratura, mas o maior beneficiado é o jurisdicionado. Porque sabe que vai ter sempre julgando seus processos pessoas que estão com todas as condições de saúde, físicas e mentais para exercer essa atividade.
ACM – Um dos pontos destacados pela Campanha diz respeito às condições para o exercício da magistratura. De um lado bons resultados no desempenho, mas de outro, uma desproporção com menos de 400 magistrados para uma população com mais de 8 milhões de habitantes. O senhor concorda que há uma desproporção? E o que é possível fazer?
DFX – Primeiramente nós temos que saber gerenciar o que nós temos. E é isso que estamos procurando fazer como, por exemplo, com a atualização do nosso código de organização judiciária, onde a gente possa melhor distribuir as competências dos nossos órgãos jurisdicionais e a existência técnica das varas judiciais. Muitas vezes você tem uma comarca onde tem muito processo e um número menor de juízes e a outra em que você tem um número maior de juízes e não tem um número de processos significativos. Na nossa proposta, nós estamos transformando uma vara de uma determinada comarca e transferindo para outra porque esta vara naquela comarca ela tinha apenas 120 processos. Por isso é importante o planejamento estratégico para que a gente possa detectar essas deficiências e irmos primeiro trabalhando com o que nós temos e depois pensar em aumentar o número de juízes ou não dependendo do nosso estudo, do nosso exame. E nós temos sempre a limitação da Lei de Responsabilidade Fiscal que só nos permite utilizar um certo percentual do orçamento do Estado e sempre em consonância com o aumento da receita liquida do Estado do Ceará. O administrador tem que se acostumar com essas limitações legais para que possa gerir a maquina publica sem comprometer a sua instituição.
ACM – O senhor tem demonstrado que valoriza as atividades da ACM, procurando estar presente em eventos. Nesse ano em que a ACM comemora 50 anos de fundação, como o senhor avalia a relação da entidade com o Tribunal de Justiça?
DFX – Acho que essa proximidade deve existir até porque todos que fazemos o Tribunal de Justiça somos também membros da Associação. Então não pode haver diferenciação entre magistrados de primeiro e de segundo grau. E acho que cabe a todos nós que integramos o TJ, notadamente o presidente, manter esse bom relacionamento com a Associação e prestigiar as iniciativas. Notadamente aquelas que têm uma boa repercussão social, como a Campanha Mude um Destino, de adoção de crianças, e tantas outras que a Associação tem encabeçado, discutindo a conciliação, discutindo a relação do Poder Judiciário com a imprensa. Acho até que é possível fazer outros eventos, como uma discussão sobre direitos humanos. Muitas vezes, principalmente nós os mais antigos, não tivemos uma disciplina sobre direitos humanos na faculdade e muitas vezes desconhecemos isso. É importante para o magistrado ter compromisso com a realização da proteção dos direitos humanos, até porque um dos fundamentos do Estado brasileiro é a dignidade da pessoa humana. Importante destacar que acolhemos sugestão da Associação no sentido que os conciliadores dos juizados especiais eles são indicados pelo próprio juiz, é um dado importante que nós acolhemos. E também tomamos a iniciativa de apresentar nesse projeto de atualização do Código proposição para que o diretor do Fórum da Capital seja juiz de primeiro grau.