Provas colhidas pela operação Satiagraha, da Polícia Federal, que contou com a participação de ex-agente do Serviço Nacional de Investigação (SNI), podem ser consideradas ilegais, avaliam especialistas. Para os entrevistados, parte da investigação pode ficar comprometida.
A participação de um agente aposentado do Serviço Nacional de Investigação (SNI), Francisco Ambrósio do Nascimento, nas investigações sigilosas realizadas pela Polícia Federal contra o banqueiro Daniel Dantas pode comprometer parte dos resultados obtidos pela operação Satiagraha, desencadeada em julho. A opinião é quase unânime entre juízes e advogados que atuam no Ceará. Em entrevista ao O POVO, eles analisaram esse fato que alimentou a crise iniciada após a descoberta de que autoridades como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, teriam sido alvo de escutas clandestinas.
Tomando como base a teoria norte-americana "dos frutos da árvore envenenada", ou "teoria da prova ilícita por derivação", o juiz Marcelo Roseno, presidente em exercício da Associação Cearense de Magistrados (ACM), defende que todas as outras provas que podem ter resultado desta suposta escuta clandestina estão contaminadas, ou seja, seriam ilegais. "É muito preocupante a idéia de que essas escutas foram feitas de forma clandestina e ainda utilizadas como prova", avalia Roseno.
A questão seria saber qual o nível de relevância desta prova em toda a operação Satiagraha. "Se todas as provas decorreram desta interceptação telefônica, a investigação é totalmente ilegal. No entanto, uma investigação como essa sempre envolve uma grande variedade de provas", pondera Roseno, que aponta como origem desse imbróglio judicial a "banalização das escutas telefônicas" no País.
O procurador Alessander Sales acredita ser precipitado afirmar que toda a investigação contra o banqueiro Daniel Dantas esteja comprometida. "Não podemos falar ainda em novidade que possa contaminar esse processo pela participação do agente. É preciso primeiro dizer em qual prova ele participou e se essa prova levou a outras, o que ela produziu de útil", sinaliza. Alessander defende que a investigação não se invalida com a coleta desta possível prova ilícita, pois outras provas poderão existir, trazendo as mesmas conseqüências. "A prova não irá influenciar na apuração dos fatos", acrescentou.
Para o presidente da Ordem dos Advogados do Estado do Ceará (OAB-CE), Hélio Leitão, a participação de pessoas estranhas ao aparelho do Estado na investigação que levou à prisão provisória do banqueiro Daniel Dantas foi uma falha grave das autoridades policiais. "Eles agiram mal. São os únicos culpados por esse desvio que acabou por beneficiar Daniel Dantas. O Estado só pode construir provas de forma lícita, contra quem quer que seja", expõe.
Hélio chegou a criticar o próprio envolvimento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no inquérito. "Muitos quadros da Abin são do antigo SNI, cujas práticas, como bem sabemos, não eram compatíveis com a democracia", opina. No entanto, o advogado comunga com a idéia daqueles que acreditam ser precipitado falar em uma possível anulação do inquérito pela Justiça, já que a extensão da suposta prova ilícita ainda não é conhecida.
EMAIS
Os advogados do banqueiro Daniel Dantas, investigado na operação Satiagraha da Polícia Federal, terão 120 dias para provar a origem dos R$ 535,8 milhões bloqueados no último dia 8, pela Justiça Federal, segundo o Ministério Público Federal. Se ficar caracterizada a origem ilícita do valor, o MPF formulará uma denúncia por crime de lavagem de dinheiro e o montante será encaminhado à União.
ENTENDA O CASO
– Em agosto, a revista Veja reproduziu um documento reservado que indica que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, foi alvo de grampo telefônico um dia depois de ter concedido o primeiro habeas corpus que liberava da prisão o banqueiro Daniel Dantas.
– O documento teria sido feito após a localização de uma escuta telefônica, durante varredura eletrônica de rotina, que estaria sendo feita em uma sala usada por Gilmar Mendes em reuniões para promulgar sentenças realizadas com auxiliares.
– Em setembro, a revista Isto É publicou reportagem afirmando que um agente aposentado do Serviço Nacional de Investigação (SNI), Francisco Ambrósio do Nascimento, teria coordenado o trabalho de grampos telefônicos durante a operação Satiagraha, da Polícia Federal.
Regras são bem recebidas
Marcelo Roseno, Alessander Sales e Hélio Leitão aplaudiram a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aprovada na última terça-feira, que disciplina os procedimentos para uso de escutas telefônicas nas investigações policiais. Para o advogado Hélio Leitão, as novas regras irão controlar a "banalização" no uso de um instrumento de investigação considerado "excepcional". "Setores da magistratura, da Polícia Federal e do Ministério Público passaram a lançar mão disso de forma exagerada, contra a lógica constitucional. É preciso impor alguma regra, como acontece em qualquer país civilizado do mundo", avalia.
De acordo com o procurador Alexander Sales, a resolução é "extremamente equilibrada", pois além de disciplinar o uso das interceptações telefônicas, mais conhecidas como grampos, preserva a autonomia dos juízes no que se refere ao decreto das escutas e à condução das investigações. "A independência do juiz é um valor sagrado", ressalta Alessander. O juiz Marcelo Roseno segue essa mesma opinião ao destacar a importância de uma regulamentação que dá parâmetros para a magistratura. "Precisávamos de procedimentos mais claros para a realização dessas escutas", afirma.
O diretor da Associação de Delegados de Polícia do Estado do Ceará (Adepol), Irapuan Aguiar, não soube afirmar se a resolução vai limitar ou não as investigações policiais, mas fez questão de ressaltar que o delegado, por exemplo, não pode ser responsabilizado por determinado desvio. "Escutas são de grande valia para as investigações, mas precisam estar dentro de um processo regularmente instalado", explica.
Ítalo Coriolano – especial para O POVO