O Estado do Ceará gasta cerca de R$ 5,5 milhões por mês custeando os chamados medicamentos excepcionais, que não estão incluídos na lista básica dos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A informação é do secretário da Saúde no Estado, João Ananias, ao informar que a maioria dos medicamentos excepcionais é custeada pelo SUS a partir de decisões judiciais.

Ele presume a possibilidade de também existir no Ceará algum tipo de negociata para beneficiar laboratórios farmacêuticos, como aconteceu recentemente em São Paulo.

Dados da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) confirmam o fenômeno da judicialização da saúde – mecanismo comum que acontece quando um usuário do SUS recorre à Justiça para conseguir determinado medicamento, geralmente de valor muito alto, que não é fornecido pela rede pública.

Nos últimos cinco anos, os gastos da saúde estadual com medicamentos de alto custo, que incluem os medicamentos essenciais, especiais e excepcionais, só vêm aumentando. Em 2003, foram gastos R$ 46,7 milhões; em 2004, R$ 73,7 milhões; e, em 2005, o Ceará gastou R$ 87,5 milhões em medicamentos de alto custo. O maior aumento, no entanto, aconteceu em 2006, quando o Estado pagou R$ 126 milhões. Já no ano passado, o valor ficou em torno de 109,4 milhões neste tipo de medicamento.

O secretário da Saúde, João Ananias, aponta que os princípios do SUS, da universalidade e eqüidade, abriram possibilidades para os questionamentos judiciais. No entanto, destaca que a Sesa vem cumprindo as decisões judiciais e questionando quando existe possibilidade. Assim como aconteceu em São Paulo, onde um esquema envolvendo usuários do SUS, ONGs, advogados, profissionais da saúde e laboratórios farmacêuticos foi descoberto, resultando em prejuízo de até R$ 200 milhões para aquele Estado, João Ananias supõe que isso também possa ter ocorrido no Estado. “A ganância do lucro é maior. Alguns medicamentos não podem ser consumidos nem adquiridos pela população. Muitos desses medicamentos não têm nem comprovação científica da eficácia. O juiz não é especialista nessa área e decide pensando que está garantindo o direito do cidadão. No entanto, como não podemos entrar no mérito das decisões, o nosso papel é buscar esclarecer os juízes, ajudando a respaldar as sentenças”, disse João Ananias.

Conforme o titular da Sesa, se os juízes quiserem, a secretaria pode disponibilizar profissionais para fazer esses esclarecimentos. “A nossa preocupação é se o gasto de dinheiro público é necessário, porque, muitas vezes, são medicamentos sem garantia de resultados efetivos para o tratamento”, aponta. Hoje, conforme ele, 25% de todos os recursos do Ministério da Saúde são gastos com medicamentos.

Enquanto o Estado paga um preço alto pelos medicamentos excepcionais, o secretário João Ananias destaca que uma das iniciativas que diminuiu os gastos com os da lista básica do SUS foi a compra corporativa, pela qual 182 dos 184 municípios do Ceará adquirem juntos os remédios, diminuindo, consideravelmente, os custos, uma vez que conseguem o menor preço diante do grande volume de produtos e evitam as quebras de disponibilidade, como os problemas de falta de medicamentos, como acontecia com freqüência no passado.

GARANTIA DE DIREITOS
Decisões privilegiam o direito à vida

A Associação Cearenses de Magistrados (ACM) disse que as decisões judiciais que determinam que a concessão de medicamentos que não estão na lista básica de medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS) privilegiam a vida.

O presidente em exercício da ACM, juiz Marcelo Roseno, destaca que o juiz, de fato, não possui conhecimento técnico-científico para determinar se o tratamento é adequado, mas se vale da indicação de quem o possui. “Negar a tutela pode corresponder a assinar a sentença de morte do paciente; assim, o perigo da demora é evidente, justificando, inclusive, a concessão de liminares”, disse.

No entanto, Roseno destaca que a utilização de juntas médicas para a realização de exames pode ser adotada, desde que o juiz responsável pelo processo determine a realização da prova técnica.

A figura da judicialização de conflitos acerca do fornecimento de medicamentos não cobertos pelo SUS, é, de fato, para Marcelo Roseno, muito instigante e já foi enfrentada algumas vezes pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF).

“O conflito se estabelece porque o paciente alega a necessidade do tratamento, sob pena de risco de morte, o que refere-se ao direito à vida. O poder público, por seu turno, sustenta a impossibilidade de arcar com os custos – o que se conhece como cláusula da reserva do possível – além de indicar que a aquisição de medicamentos de alto custo inviabiliza a aquisição de outros de menor custo, mas que são igualmente indispensáveis para diversos tratamentos”, disse.

Sobre a possibilidade de existir esquemas com laboratórios, Roseno destaca que isso deve ser investigado pela Polícia ou pelo Conselho Regional de Medicina, se demonstrado que há participação de médicos. “O que não se admite é que o juiz negue a tutela diante da desconfiança de que o medicamento não é o apropriado, até porque o juiz não tem conhecimento técnico que o habilite a tal exame”, finaliza.

Paola Vasconcelos – Repórter