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No livro “História do pensamento ocidental”, Bertrand Russell fala da alternância da Humanidade entre ciclos de extremo conservadorismo e acentuada liberdade de costumes. Penso que algo similar ocorre com os direitos humanos no Brasil, onde encontramos momentos de profunda inspiração de nossas instituições, contrastando com períodos de atraso e involução.Este comportamento determina um quase não caminhar na construção de políticas públicas garantidoras de direitos básicos a todos os cidadãos, inclusive àqueles que, desgraçadamente, estiverem vivenciando o cárcere.

Exemplo disso é a Lei de Execução Penal. Quando lançada em julho de 1984, a Lei nº 7.210 foi comemorada como importante marco legislativo no tratamento dos direitos e deveres do reeducando.

Ali se divide o trato dos condenados segundo seus antecedentes e sua personalidade, propiciando um cumprimento individualizado da pena de modo a viabilizar sua recuperação através da progressão de regimes.

Debalde.

Pergunto aos que operam com o sistema carcerário, juízes, promotores, defensores, advogados e administradores, quanto da essência daquela lei foi repassada para nossos presídios?

O país conta com um número incrível de condenados, mais de 600 mil, superando em muito o número de vagas existentes, sem falar nos mandados de prisão ainda não cumpridos, os quais, se efetivados, encheriam o sistema com pelo menos mais 200 mil pessoas.

As penitenciárias existem apenas em alguns centros urbanos, abarrotadas de presos vindos de todas as partes do estado, o que só aprofunda a dificuldade dasfamílias de acompanhar os internos, com prejuízo à recuperação.

Misturam-se no cárcere todos os tipos de homens, delitos e penas, sem qualquer respeito à individualização, favorecendo a formação de grupos como o Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho, Amigos dos Amigos.

Proliferam em nossos cárceres a Aids, a tuberculose e um sem número de doenças contagiosas. Igualmente, se perpetuam no silêncio das celas o espancamento, a extorsão e o estupro.

Nesse contexto, o número de presos provisórios chega a 40% do total da população carcerária, alcançando em alguns estados o patamar de 70%, como é o caso do Ceará.

Ressaltamos dois fatos recentes:a vinda ao Brasil de uma missão italiana para conhecer as condições carcerárias das unidades penitenciárias de Santa Catarina, onde se pretende seja abrigado o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, e a presença do relator especial das Nações Unidas sobre tortura e tratamentos créis e desumanos, Juan Mendéz, que fez visitas a unidades carcerárias de São Paulo, Sergipe, Maranhão e Alagoas.

As duas situações, por si, já são reveladoras da frágil posição que nosso país ocupa, também aos olhos do mundo, na defesa e garantia dos direitos humanos, a distância entre o Brasil legal e o Brasil real.

Ricardo Barreto
Vice-presidente de Direitos Humanos da AMB e Ex-presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM).

 

(F363rum-42.pdf)

Artigo publicado na edição número 42 da revista Fórum, produzida pela Associação dos Magistrados do Estado de Rio de Janeiro

Fonte: AMAERJ