De acordo com um estudo da Universidade de São Paulo, o Brasil é o quarto país com o maior número de presos no mundo, atrás dos Estados Unidos, China e Rússia. Um crime, qualquer que seja ele, reflete sobre toda a sociedade e contribuiu para o aumento da violência e a sensação de impunidade. Hoje, sentimentos como medo, insegurança, culpa, perseguição, castigo e tantos outros permeiam a rotina de quem foi vítima de um crime e, muitas vezes, ocupam o cotidiano daqueles que desrespeitaram leis e normas. A cada dia, a Justiça Penal brasileira lida com esses cenários, repetidos em milhares de processos, onde o sentido de justiça é desenhado com base na expansão da degradação e na subjugação do outro.

É preciso pensar em uma Justiça que, além de garantir os direitos fundamentais do cidadão, seja eficiente também na promoção de uma cultura de paz. O funcionamento da Justiça tradicional precisa avançar além das soluções punitivas e prisionais. É necessário compreender que, além de representar uma violação da lei, um crime implica na violação de pessoas e relacionamentos e a Justiça precisa trazer essas relações para o primeiro plano, compreendendo, em cada caso, o que leva alguém a cometer um crime e de que forma essas vidas podem vir a ser reparadas.

A Justiça Restaurativa começa a trazer esse novo olhar na resolução dos conflitos. Introduzida oficialmente há 10 anos no Brasil, esse modelo começa a se tornar uma realidade. O projeto que já é desenvolvido em São Paulo, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal consiste em promover ações para situações de conflito e violência entre a vítima e o agressor, suas famílias e a sociedade na reparação e na conciliação dos danos causados por um crime ou infração penal. Ao receber um processo judicial, o juiz avalia caso a caso de que modo as partes afetadas podem ser chamadas na tentativa de reconstruir relações. Voluntariamente, aqueles que aceitam participar do processo são acompanhados por profissionais capacitados na busca pelo diálogo, onde têm a oportunidade de falar sobre a motivação do crime, sequelas e danos com o objetivo de resgatar as relações perdidas e evitar a reincidência.

No momento em que a sociedade exige cada vez mais agilidade nas respostas dadas pelo Poder Judiciário, a Justiça Restaurativa traz um olhar mais humano que possibilita um novo conceito social na análise dos conflitos e litígios por meio da aproximação, da reparação e da responsabilização. Recentemente, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) se reuniu com importantes órgãos do governo e diversas entidades para formalizar um protocolo de cooperação conjunta para difundir a Justiça Restaurativa em todo o país. O documento, que terá validade de três anos, prevê a criação de uma Comissão Executiva para definir metas, indicadores e ações de mobilização, apoio à implantação de programas restaurativos nos Tribunais de todo o país, além do compartilhamento de experiências entre os estados.

Esse é um primeiro passo para recompor uma cultura de paz e fortalecer a sociedade, para demostrar que a Justiça vai além da análise técnico-jurídica dos magistrados diante dos conflitos, substituindo a perseguição pela reconciliação, a imposição pelo diálogo, o castigo pela reparação do dano e a coerção pela coesão.

*João Ricardo Costa, 53, é juiz de Direito e presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

 

Fonte: Folha de São Paulo