Meninas em conflito com a lei estão sendo convidadas a integrar projeto que as permite treinar na equipe feminina de futebol do clube; meta é ganhar também apoio da iniciativa privada

O juiz de direito Eduardo Gibson, titular do “Projeto Justiça Já”, vinculado à 5ª Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, está encampando uma iniciativa, dentro do projeto que idealizou, batizado de “Tigre Camisa 10” para inserir na escolinha de futebol feminino e, quiçá, nas categorias de base do futebol da Associação Esportiva Tiradentes, o maior número possível de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, dando a essas garotas possibilidade de um futuro digno.

O projeto conta com a parceria, não só da agremiação, como também da Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas), do Governo do Estado do Ceará. A iniciativa está se desenvolvendo no sentido de ganhar apoio também de empresas, organizações não-governamentais e até de outros clubes, tanto em termos de logística quanto de estrutura. No momento, cinco jogadoras, com idades entre 15 e 18 anos, estão batalhando não só por uma oportunidade de reparar ilícitos praticados, mas também de buscar uma nova perspectiva de vida, longe da violência, e, quem sabe, ainda de brilhar nos gramados.

Nessa primeira fase, a unidade escolhida para a realização do trabalho é o Centro de Atendimento Socioeducativo Aldaci Barbosa Mota (no bairro Padre Andrade, em Fortaleza). Segundo o magistrado, o “Projeto Tigre Camisa 10”,  tem a pretensão de “restaurar o status quo que existia antes do delito, através de medidas inclusivas. Esse tipo de medida restaurativa através do esporte é fundamental, pois incentiva a disciplina e o espírito de equipe, que contribuem para o coletivo, em geral”.

O projeto ganhou destaque na imprensa, tendo sido alvo de matéria nesta segunda-feira (23) na TV Cidade e de chamada de capa no jornal O Povo, no início deste mês.  A reportagem mais recentemente exibida destacou a visita de representantes da ONG alemã, Kinder Not Hilfe (KNH), realizada na quinta-feira passada (19). A instituição estuda firmar uma parceria com a iniciativa cearense.

De acordo com Lorenz Toepperwein, gerente de mídias sociais da KNH,  “vai ser bastante interessante para nossa equipe apoiar esse projeto, já que atuamos há bastante tempo no País em projetos com a ONG suíça Terre des hommes Lausanne no Brasil”.

O juiz Eduardo Gibson ressalta o interesse em não apenas efetivar a parceria, como estender esse projeto no Ceará também aos adolescentes do sexo masculino que estejam cumprindo medidas socioeducativas.

Aulas

Os treinamentos acontecem duas vezes por semana, na Associação Esportiva Tiradentes.

As instalações do clube ficam a menos de 100 metros do referido Centro Socioeducativo, o que facilitou as conversações iniciais entre o magistrado, o Governo do Estado e o clube, que foi vice-campeão cearense feminino em 2018, mas não se inscreveu para disputar a competição em 2019 e deve ser reativado no próximo ano.

Atualmente seis jogadoras vindas do projeto estão treinando no Tiradentes, quatro ainda cumprindo medida socioeducativa, valendo ressaltar que duas já estão em liberdade, mas decidiram seguir apostando na carreira futebolística. Elas são acompanhadas também por uma assistente social, uma psicóloga e uma agente social.

Esse número, no entanto, vai dobrar, já que há cerca de um mês foi acertado que 12 meninas em conflito com a lei farão parte do elenco que treina no clube, havendo possibilidade de aproveitamento em outras modalidades de esportes coletivos, tais como o voleibol e o handebol, hipóteses que estão sendo costuradas.

“Laboratório de campo”

Gibson acrescenta que a experiência “se insere no conceito de responsabilização e reparação do dano, inserto nos propósitos da Justiça Restaurativa, particularmente, nas hipóteses em que a vítima do ato infracional não é uma pessoa determinada, mas, sim, todo o tecido social, a exemplo do tráfico de drogas”.

E completa: “Esse laboratório de campo, como na antiga alquimia, tem uma ambição especial: transformar o chumbo da violência no ouro da ressocialização e, nessa esteira, transformar crack em craque”.