|LENTIDÃO| O Poder Judiciário enfrenta dificuldades para garantir a celeridade na resolução de casos. As alternativas envolvem investimentos em tecnologia, profissionais e mudanças na legislação

O Poder Judiciário brasileiro vive uma contradição: enquanto a produtividade dos juízes brasileiros cresce ao longo dos anos, o percentual de processos encerrados na Justiça mantém-se estagnado. O esforço parece não ser suficiente para resolver os processos judiciais que se acumulam nos tribunais brasileiros. O cenário aponta que a alternativa para reduzir o tempo de espera pelas sentenças judiciais não depende apenas da atuação dos juízes. A solução passa pelo Legislativo, por tecnologia e outros investimentos.

Conforme dados referentes a 2016, os mais recentes compilados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de casos sentenciados cresceu 11,4% em relação ao ano anterior. Em contrapartida, 73% dos processos que tramitavam na Justiça permaneceram sem solução. Naquele ano, cada juiz solucionou mais de sete processos por dia, mas o esforço só serviu para solucionar 27% dos processos que aguardavam uma resposta do Judiciário.

Em média, um processo demora um ano e sete meses para sair da fase de conhecimento — quando o juiz toma ciência dos fatos, a partir de provas e testemunhas — e demora mais quatro anos e seis meses na fase de execução — quando a sentença é cumprida.

Os especialistas ouvidos pelo O POVO convergem ao dizer que, para dar celeridade aos processos judiciais brasileiros, é preciso enfrentar negligências que se acumulam ao longo de anos. Algumas delas competem ao Judiciário — como solucionar o déficit de magistrados e servidores, além de garantir a informatização dos processos —, mas outras respingam no campo de responsabilidade do Poder Legislativo.

O presidente da Associação Cearense dos Magistrados (ACM), Ricardo Alexandre Costa, entende que o Legislativo poderia atuar na redução dos recursos previstos em um processo judicial. Para ele, essa é uma das questões que entravam o andamento. “Todo e qualquer ordenamento jurídico, para funcionar bem, precisa garantir que a causa seja apreciada em dois níveis (o primeiro e o segundo grau). Aqui no Brasil, você vai para o terceiro e quarto grau (STJ e STF, respectivamente). Isso torna o processo quase interminável”, diz, apontando que alguns advogados se valem da estratégia para adiar a execução da sentença. “A legislação podia ser debatida para tornar isso mais ágil”, aponta.

A ideia é acompanhada pelo juiz federal Thiago Mesquita Teles de Carvalho, delegado da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). Para ele, a atual estrutura precisa ser “racionalizada”. “Precisamos rever os recursos que são usados, não para garantir o contraditório, mas para impedir o andamento do processo”, defende.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Marcelo Mota, discorda. Ele defende os recursos como uma garantia legal para que o processo tenha uma tramitação justa. “O cerne da questão não é esse. O problema é que esses recursos se eternizam e dão a sensação de que o direito não é efetivado”, considera.

Mota afirma que o Poder Judiciário deveria garantir a rápida avaliação dos recursos impetrados. Para isso, é preciso investir em pessoal e na virtualização dos processos, ele cita. “Nas comarcas do Interior isso é uma dificuldade”, acentua.

A virtualização dos processos poderia ajudar na celeridade ao passo que reduz o tempo em que os casos ficam presos em pequenas burocracias. Também poderia auxiliar juízes, por meio de inteligência artificial, porque poderia indicar para casos em comum sentenças semelhantes.

O CNJ tem lançado incentivos para os tribunais garantirem a virtualização dos processos. O esforço é que todos os novos processos sejam virtuais. Apenas a Justiça do Trabalho conseguiu atingir 100% dos novos casos por via eletrônica. No Judiciário como um todo, foram 70,1% dos novos processos de 2016 no formato eletrônico.