20170214_DN_Politica_Legislacao_e_inadequada_para_Justica_mais_celereATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO
Legislação é inadequada para Justiça mais célere

Entraves apontados passam por dificuldade de autocrítica, falta de estrutura e leis vistas como inadequadas

O expressivo volume de processos a serem apreciados e a grande quantidade de recursos disponíveis às partes têm tornado o Poder Judiciário historicamente moroso. No ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelou, no relatório “Justiça em Números”, que a Justiça brasileira precisaria de pelo menos três anos para conseguir zerar todo o estoque de processos pendentes de decisão em diferentes instâncias. Apesar da projeção insatisfatória – que levava em conta informações enviadas pelos próprios tribunais do País –, existem algumas iniciativas que apostam na padronização para tentar prestar um serviço mais célere.

No Rio Grande do Sul, o desembargador Jorge Antônio Maurique foi o primeiro juiz federal a conseguir a certificação ISO 9001 pelos serviços prestados. Conforme o magistrado, a padronização de procedimentos foi fundamental para que a unidade conseguisse julgar os processos no período máximo de quatro meses. As mudanças para conseguir o certificado internacional, porém, não foram fáceis. Em entrevista à revista Veja, o desembargador chegou a afirmar que o Judiciário tem dificuldade de fazer autocrítica e que juízes encaram avaliações externas como críticas pessoais.

No Ceará, o presidente da Associação Cearense de Magistrados, juiz Ricardo Alexandre da Silva Costa, faz uma avaliação diferente. Ele reconhece que o Judiciário de fato já teve essas dificuldades, mas defende que a cultura no primeiro e no segundo grau vem mudando, com concursos mais exigentes e a realização de planejamentos. Ainda assim, Ricardo Alexandre admite a morosidade dos processos e argumenta que a eficiência dos serviços prestados não esbarra na atuação dos juízes, mas sim na legislação inadequada e na falta de melhor estrutura de trabalho.

“Para se ter uma ideia, um juiz federal dispõe de uma estrutura de 21 servidores. Nós, juízes estaduais, dispomos de apenas quatro. Então, aí já há uma discrepância”, afirma Ricardo Alexandre, acrescentando que a grande quantidade de recursos previstos na legislação também é um entrave. O novo Código de Processo Civil, avalia, acabou contribuindo para a morosidade. “Essas circunstâncias estão alheias ao Judiciário, porque vêm de leis feitas no Parlamento. Mas a morosidade tem várias causas externas e internas”, diz, citando a falta de planejamento.

O presidente da ACM considera que a falta de recursos financeiros para estruturar as equipes também contribui para a morosidade. Segundo ele, 84% do orçamento do Judiciário cearense é consumido pela folha de pagamento. “Presidentes anteriores fizeram um plano de cargos que tornaram os nossos servidores os mais bem pagos. Então temos no fórum de Fortaleza varas cíveis que não têm servidores. O juiz precisa fazer tudo”, explica.

Por outro lado, o juiz Ricardo Alexandre diz que a cultura de planejamento que vem sendo implementada desde 2009, por determinação do CNJ, vem trazendo bons frutos e otimizando os recursos disponíveis. “O planejamento traça metas para implantação do sistema eletrônico em todo o Ceará e reduz a burocracia das atribuições do juiz”.

Padronização
Apesar do argumento de que a morosidade na Justiça cearense vem sendo combatida nos últimos anos com planejamento e mesmo com a padronização de algumas rotinas de trabalho, Ricardo Alexandre diz que, no primeiro grau, ainda não é possível conseguir uma certificação de excelência na prestação do serviço. “Nós gostaríamos de ser reconhecidos como bons prestadores de serviço público, então a certificação é importante, mas a falta de estrutura impacta para que a gente não consiga”, diz.

Questionado se o Judiciário tem dificuldade de fazer autocrítica, Ricardo Alexandre defende que, no âmbito estadual, os juízes têm procurado cada vez mais demonstrar eficiência e o que falta é um canal de comunicação com a sociedade para retirar o estereótipo da morosidade.

O presidente da ACM ainda afirma que o fato de não ter certificações – mais comuns nas iniciativas privadas – não significa que o Judiciário não faça um controle de qualidade dos serviços que presta. “Somos avaliados basicamente pela Corregedoria quando vamos disputar movimentação na nossa carreira. E temos um acompanhamento firme, mas um pouco mais distante, pelo CNJ”, considera.

Segundo ele, o relatório Justiça em Números funciona como avaliação dos serviços. “Ele mostra que a gente vem melhorando, mas não na velocidade que queremos. O 2º grau melhorou muito, o 1º um pouco. Por isso que nossa demanda é justamente uma melhor estrutura”, avalia. Ricardo Alexandre aponta que o ideal seria finalizar um processo em dois meses, mas há dificuldade por conta do grande volume de demandas.

Para o juiz, a modernização do Judiciário, que inclui desde a informatização dos processos até a autoavaliação, e a absorção de críticas externas, devem melhorar esse quadro. “A mudança de mentalidade das pessoas que compõem o Judiciário de uma década pra cá tem modificado o perfil para que a gente aceite de forma mais tranquila uma conversa franca com a sociedade e as críticas do público externo. O que precisamos é filtrar se aquela crítica pode trazer melhorias”.

Fonte: Diário do Nordeste