artigoPor Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho

Os jornais noticiam um embate entre os Poderes Executivo e Judiciário, parecendo dar eco à defesa do governador que considera privilégio e insensibilidade os questionamentos do Judiciário em receber na data estabelecida pelo governo do estado. No entanto, a discussão não está ligada à data de pagamento, mas sim a repasses pertencentes a cada um dos Poderes e às suas autonomias previstas na Constituição Federal.

De fato, o artigo 168 da Constituição determina o repasse de valores para o Judiciário, Ministério Público e Defensoria até o dia 20 de cada mês e a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece os limites de repasses (nos estados, o valor arrecadado deve ser dividido da seguinte forma: 49% para o Poder Executivo, 6% para o Poder Judiciário, 2% para o Ministério Público, 3% para o Poder Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas).

Em outras palavras, o Poder Executivo tem a chave do cofre, mas não é o dono de todo o valor que está dentro dele. Assim, não pode se apropriar de parcela que não lhe pertence.

Lembre-se de que os limites da LRF funcionam como teto. Ou seja, não podem os chefes dos Poderes e Instituições gastar mais do que o percentual estabelecido, sob pena de responderem pessoalmente pelos gastos e de terem de se adequar aos limites, inclusive com a demissão de servidores. No caso do Judiciário, o limite de 6% da arrecadação deve ser suficiente para dar conta de uma instituição funcionando em 92 municípios, que teve, em 2015, 1.977.763 de sentenças proferidas e mais 4.391.231 ações, em andamento. De outro lado, em tempos de crise, todos os Poderes sofrem com a necessária adequação aos estreitos limites da LRF, ainda que a queda da arrecadação esteja relacionada à atuação do Poder Executivo.

Dessa forma, natural que os Poderes Legislativo e Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública procurem defender o repasse de verbas que lhes pertencem, por determinação constitucional e legal.

Além disso, ao criar um calendário de pagamento, o Executivo pretende tratar os demais Poderes e Instituições como se fossem autarquias suas, o que fere o princípio da Independência dos Poderes.

É fundamental também afastar a ideia de insensibilidade do Judiciário em relação à crise. De fato, no final de 2014, o Tribunal do Estado do Rio emprestou R$ 400 milhões ao Governo do Estado. Essa quantia foi essencial para o governador Luiz Fernando Pezão fechar as suas contas e, afastando as restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal, tomar posse. Desse total, os R$ 200 milhões já vencidos ainda não foram devolvidos pelo Governo do Estado.

Sensível à gravidade da crise e aos apelos do Governo, no início de 2015, o Tribunal de Justiça encaminhou à Alerj projeto de Lei conjunto com o Executivo para liberação de valores de depósitos judiciais, o que permitiu ao Governo do Estado lançar mão de cerca de R$ 8 bilhões.

Assim, ciente da crise, da qual certamente também é parte, diante da continuidade de governos, o Poder Executivo deveria ter feito o “dever de casa”, após ter recebido tamanha verba, embora, infelizmente, não se veja esforço efetivo de redução de gastos, além da manutenção de despesas expressivas com propaganda, como noticiado na mídia, e de obras olímpicas.

Embora seja inegável que a crise atinge a todos, certamente a solução não pode passar pela quebra do princípio de independência dos Poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal e garantia do Estado Democrático de Direito.

*Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho é desembargador e presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Fonte: TJRJ