O livro “Judas Tomé”, de autoria do juiz Antônio Carlos Klein, é destaque em notícia do Diário do Nordeste de 11 de agosto.

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Caderno 3
As escrituras de Antônio Carlos Klein
11/08/2015

A ficha catalográfica do livro traz como título “Judas Tomé”. Nela também constam: Romance brasileiro, São Paulo: Scortecci, 2014. São 318 páginas escritas por um “ateu apaixonado pelas histórias bíblicas, que sua mãe lhe contava à hora de dormir”.

Quando ele escreve que seu avô fora arqueólogo e bibliófilo, o leitor fica na dúvida se a afirmação é verossímil. Isso já não importa tanto. Fato é que “dois meses após sua morte, minha avó mandou abrir uma vala no quintal e ali despejou pilhas de livros e documentos que lhe pareceram inúteis”.

Antônio Carlos Klein, diante do comportamento da avó, qualificou-a de “libricida”. Nem tudo, porém, estava perdido. O neto bibliófilo e narrador passou a frequentar mais o casarão ancestral com intuito de resgatar o que fosse possível do valioso espólio avoengo. Começou pela recuperação de clássicos de Sêneca a João de Barros para em seguida encontrar de outros escritores, “cartas, sermões, paráfrases, exortações, comentários, hinos”.

Os idiomas dessa babélica procela bibliográfica eram: “Aramaico, grego, copta, latim, siríaco, armênio, persa, sânscrito e chinês”. De toda essa avalanche papiresca é de onde surge o personagem do livro, que é Judas Tomé, apesar de que o leitor fica encantado mesmo é com as informações históricas que vão surgindo.

O enredo oscila entre ficção e realidade. Literatura e história dão-se as mãos para instaurar um romance histórico em que o autor trabalha a linguagem com a desenvoltura de quem elabora um clássico. “Cascavilhei obras inteiras, leituras áridas, para pinçar, às vezes, uma solitária frase”.

Sendo neto de judeu, o autor vasculhou as escrituras, em especial o Velho Testamento, mas não ficou apenas nesse caminho da pesquisa. Tem muito de “Confissões”, de Santo Agostinho; Tito Lívio, “História de Roma”; Tomás de Kempis, “Imitação de Cristo”; Montesquieu, “História Verdadeira”. Entre pensadores outros e literatos, sua garimpagem vai a Esopo, Sófocles, Platão, Maquiavel, Cervantes, Montaigne, Voltaire, Flauber, Dostoievski,

Rimbaud, Nietzsche, Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, Hesse, Calvino, Borges, Popper e Raduan Nassar. Além dessas fontes livrescas, o autor, como magistrado, e servindo em comarcas interioranas, manteve contato com lendas, mitos e crenças do meio sertanejo, principalmente entre comunas dos Inhamuns.

Ali captou histórias de secas e retirantes em conversas de calçadas que varavam madrugadas. Com todo esse precioso material, nove anos foram gastos para a elaboração do livro, que veio marcado pelo preciosismo da linguagem e pela comprovação exata de dados.

Todo esse apanhado de fontes e de dados tenta comprovar o parentesco de São Tomé com Jesus, a ponto de considerá-los dídimos. É bem verdade que o leitor não se desliga do que consta na ficha catalográfica do livro, de que se trata de um romance. Acontece que a urdidura do enredo é tão bem elaborada que é difícil não acreditar no que está escrito. Começa pela data simbólica de 3 de julho. Esse dia é consagrado a São Tomé. Coincide com o dia em que o corpo desse apóstolo chegou a Edessa, vindo da distante Índia em que ocorrera seu martírio.

Consta ainda que, ao chegarem os portugueses à Índia, por volta de 1.500, ali encontraram uma igreja que, calcula-se, teve origem na pregação de Tomé, no século I d.C. A partir dessa localização, Klein identifica vários personagens históricos da época com o nome Tomé.

Ao tratar do mundo grego, o direcionamento dos escritos não se volta para as guerras e sim para as ciências e as letras. Por isso ele vai de Ésquilo a Sófocles, de Eurípedes a Aristófanes. Depois chega aos arquétipos para reafirmar que “Tales concebeu um mundo de água. Anaximenes aditou ar. Empédocles, terra. Heráclito ocupou-se com o fogo”. Tudo isso sem esquecer de lembrar que “Sócrates, o mais sábio dos homens, ensinava com perguntas”. Quando passa a tratar do mundo romano, elege entre seus tomos de preferência aqueles de autoria de Catulo, Virgílio, Horácio e Cícero. Há ainda nesse espólio obras hindus e chinesas. Encontra do Mahabharata aos escritos de Lao-Tsé. Todo esse périplo leva-o finalmente, de forma mais demorada, aos ensinamentos bíblicos.

Seu épico bíblico preferido é o Êxodo. Toda a saga do Pentateuco é tratada com erudição. Tanta é essa erudição, ao longo desse livro, que só há uma conclusão para todos que a devassam: conhecer todas essas coisas tem que nos levar a concluir que não sabemos absolutamente de nada. “Todas as honras desse mundo não passam de lodo”.

A partir dessa reflexão outras vão surgindo para deixarem o leitor a pensar: “quem odeia vive para a morte. Quem ama morre pela vida”. Ou ainda: “jejum sem meditação é fome”. Depois há ainda um alerta àqueles que se isolam dos circunstantes: “Os que se fazem eremitas rejeitam o mundo. Esquecem os outros e não compartilham o que descobrem. São como jarros que se quebram e já não servem para estocar”. Ensinamentos como esses alertam para uma outridade de que necessita o ser humano.

Nessa parte do livro, em que o foco são os ensinamentos bíblicos, há uma tirada para o estabelecimento de um perfil de Cleópatra. Entre as suas artimanhas, a rainha do Egito conquistou Júlio César e Marco Antônio, mas não conseguiu o mesmo sucesso com Augusto nem com Herodes. Entretanto, o mito de luxuriosa, como alguns a tratam, é uma forma de eclipsar seu talento de defender seu Egito e também de seus estudos a ponto de versar em várias línguas. A filha de Ptolomeu é uma heroína egípcia e assim é tratada no livro.

Em termos de glorificação nesse livro, só perde para Judas Tomé, o verdadeiro alvo de toda a narrativa. Desse ponto da escritura em diante, começa um novo histórico, que em dois terços da obra volta-se à história de Judas Tomé como dídimo de Jesus. É um verdadeiro tratado sobre esse apóstolo, mas sujeito ainda à comprovação de exegetas que fica dependente da leitura e entendimento dos que forem até a última página do livro com percurciente leitura.

Batista de Lima

Fonte: Diário do Nordeste