Demócrito, sempre que você se encontrava comigo, cobrava-me a ausência como colaborador de "O POVO", pois nunca mais havia publicado um artigo nesse periódico que era sua vida, que era o seu brinquedo predileto.

Realmente, eu vinha em mora com o amigo, alegando, para tanto, falta de tempo em razão das inúmeras tarefas decorrentes das funções públicas por mim exercidas nesses últimos anos, como a atual, de Chefe do Poder Judiciário cearense; mas devo confessar, igualmente, que tenho sido acometido de uma autocrítica paralisante, a qual me tem tornado refratário a freqüentar os jornais, expondo-me através de meus escritos.

Agora, contudo, sinto-me na obrigação de resgatar essa dívida, em forma de homenagem saudosa a quem se revelou um grande incentivador da minha vida pública, iniciada nas trincheiras da Ordem dos Advogados, na luta pela redemocratização do meu País, passando pelos diversos cargos públicos que ocupei. Toda essa trajetória encontra-se registrada nos anais desse octogenário órgão de imprensa, que, graças a sua liderança e ação visionária, aprendeu com os vinhos a melhorar envelhecendo, o que o faz sempre jovem.

Essa juventude, Demócrito, tem tudo a ver com você, que soube, ao longo de sua passagem terrena, conservar acesa a chama dos sonhos e ideais, colocando entusiasmo em tudo o que fazia, de modo a contagiar parentes, amigos e os bons quadros de jornalistas que se formaram sob sua batuta.

Assim como diz o poeta que "a canção só tem razão se cantar", podemos observar que, como a chuva só existe se chover, o homem só existe fazendo-se presença. E você, meu caro Demócrito, se fez presente a todos os acontecimentos históricos, culturais, sociais, políticos e econômicos de nosso Estado, nessas últimas décadas, influenciando várias gerações. Ensinou-nos a ver o mundo pelo prisma de um olhar coletivo.

Por isso, seu desaparecimento inesperado nos deixou todos atônitos; foi como se nos retirasse a lona protetora bem na hora do salto. Todavia, o que devemos guardar em nossa retentiva não é esse momento de extrema dor, mas o menino sonhador que habitava em você, o menino que sustentava o homem, como asseverou Bandeira, "o menino que não quer morrer, que não morrerá senão comigo, o menino que todos os anos nas vésperas de natal, pensa ainda em pôr seus chinelinhos atrás da porta".

Só que, no seu caso, esse menino não morrerá nunca, permanecerá vivo em seus sonhos, seus ideais, transmitidos a tantos quantos tiveram o privilégio de conviver com você, testemunhar seu otimismo, sua alegria de viver, o que nos dá a certeza de que, apesar da surpresa de sua partida, você realizou na vida o plano para o qual Deus o criou.

Fernando Luiz Ximenes Rocha – Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará

Em mémória do presidente do Grupo de Comunicação O POVO, Demócrito Dummar, que morreu na sexta-feira, 25 de abril.