Pequenos sendo assistidos por equipe multidisciplinar

“Nós, juízes das varas de família, lidamos com um universo de íntimas relações e múltiplas emoções. Geralmente, somos levados a decidir sobre mágoas, sentimentos ofendidos, sobre os restos do amor desfeito”. A afirmação é da juíza Ângela Sobreira, ao falar sobre causas que envolvem direito de família em que o poder de decisão e a real solução de conflitos exigem mais que a aplicação das leis por parte dos magistrados.

Essas ações judiciais são geradas de ruptura conjugal e requerem habilidade dos juízes para identificar os conflitos existentes nas entrelinhas dos autos dos processos. Desavenças essas que, por vezes, motivam não apenas o próprio litígio, mas geram comportamentos nocivos às relações entre parentes e prejuízos ao equilíbrio emocional dos filhos.

Nos contatos com os pais, o juiz auxilia o pai e a mãe a, embora separados, retomarem o significado da família e da convivência harmoniosa com foco no bem-estar dos filhos, comenta a juíza Luzia Ponte, titular da 11ª vara de família de Fortaleza. “Realizo a primeira audiência com o casal e busco a conciliação. Quando as partes não chegam a um acordo e vejo que eles demonstram que precisam de uma ajuda maior, oriento a participarem da oficina”, disse Luzia. Ela se refere à Oficina Pais e Filhos, desenvolvida no Fórum Clóvis Beviláqua.

“Percebemos que eles retornam da oficina sabendo a importância do papel de cada um e o respeito que um tem que ter com o outro genitor. Entendem que a criança precisa conviver com os dois”, afirma Luzia Ponte.

Ângela enaltece ocasiões em que a Justiça conduz as pessoas a restabelecerem sua autonomia para, verdadeiramente, assumirem papéis de autores nas suas histórias e não apenas atores. Ela afirma que é esse, na maioria das vezes, o resultado do trabalho desenvolvido.

Conciliar para resolver conflito em família
As magistradas consideram a conciliação como o principal procedimento para solucionar os diversos conflitos, especialmente os dessa natureza. “Sempre esteve à frente de todo e qualquer método utilizado nos conflitos familiares. Essas técnicas estão sendo aprimoradas, enriquecidas e, principalmente, estão sendo mais e melhor divulgadas no seio da sociedade”, afirma Ângela.

Luzia explica que já na primeira audiência busca fazer uma abordagem mais explicativa para que os jurisdicionados possam compreender as vantagens de que o conflito seja resolvido de maneira amigável.

Ângela analisa que a verdadeira pacificação familiar se faz “quando os pratos da balança da Justiça passam a agasalhar não apenas frios textos de leis, teorias, tratados… e passam a receber, com a mesma proporção, lições de amor, de humanismo, de cuidadosas investigações psicossociais advindas de ramos outros do conhecimento humano, permitindo uma abordagem mais ampla dos conflitos trazidos à Justiça”.

Oficina Pais e Filhos
A Oficina Pais e Filhos auxilia famílias envolvidas em ações de divórcio, disputas por guarda dos filhos e pagamento de pensão alimentícia. É promovida pelo Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (Cejusc), coordenado pela juíza Jovina Bordoni, no Fórum Clóvis Beviláqua.

Subjetividade é utilizada para refletir sobre significado dos filhos

Trata-se de um encontro que dura cerca de 4h, no qual os pais são orientados a estabelecer um diálogo aberto e construtivo como os filhos, de modo a auxiliá-los durante o momento conflituoso. Em ambiente separado, os filhos são estimulados a externar sentimentos através de atividades lúdicas, manuais, de leitura e audiovisuais. Tudo conduzido por uma equipe de voluntários como pedagogos, mediadores e estudantes de psicologia.

São formados quatro grupos. Dois com os adultos – pai e mãe ficam em salas separadas, outro com as crianças de 6 a 11 anos e um último grupo reúne os adolescentes com idades de 12 a 17 anos.

No início do encontro, a coordenadora do Cejusc, juíza Jovina Bordoni, visita os grupos de pais e explica que o projeto visa oferecer apoio aos participantes. ”Nesse momento vocês terão a oportunidade de refletir sobre o que estão passando na vida de vocês, e principalmente, a forma como as crianças e os adolescentes estão inseridas. Muitas vezes no nosso caminhar, nós nos comportamos de maneira diferente das crianças e dos adolescentes, que ainda não têm o desenvolvimento completo para compreender muitas coisas. Trazemos isso aqui para uma reflexão”, diz a magistrada.

Já na primeira atividade, os pais são incentivados as pensar o significado do filho em sua vida. Eles recebem um papel em branco, no qual deve ser escrito o nome do(s) filho(s) e fixado num desenho junto ao elemento que melhor represente a criança ou o adolescente (há sol, céu, arco-íris, árvore, gramado, borboleta etc.). Após o primeiro momento, é realizado um trabalho de cunho preventivo e educativo, direcionado para o esclarecimento sobre as causas e consequências da inclusão desnecessária do filho no conflito; a chamada alienação parental.

Bem-estar das crianças é o foco principal

Para as crianças, são desenvolvidas atividades lúdicas, com o intuito de estimular a exteriorização dos sentimentos por meio das brincadeiras. Na sala dos adolescentes, a ação é desenvolvida com músicas e dinâmicas de grupo.

A psicóloga Gleiciane Van Dam, responsável pelo projeto, explica que os participantes são estimulados a refletir acerca da parentalidade e do elo que existirá para sempre. “Nós trabalhamos a mudança da relação conjugal para que eles percebam-se em uma relação parental. Durante a oficina, eles percebem que casal não deu certo, mas que eles são pais e mães e se tornam parentes que precisam conviver e ter uma relação respeitável e harmoniosa”.

Mensalmente, são realizadas duas oficinas, sendo que a cada edição participam novas famílias. A última edição foi realizada no dia 26 de abril. A oficina já está na 41ª edição e desde sua implantação, em 2014, já atendeu 1856 jurisdicionados (pais e filhos). A próxima ocorrerá no dia 10 de maio.

A Oficina Pais e Filhos é um projeto educativo e preventivo concebido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) multiplicado em todo o país. Informações: (85) 3492-8030.

Extensão
Com objetivo de resolver também os conflitos familiares extrajudiciais, isto é, casos que não tramitam na justiça, a oficina é realizada na unidade do Cejusc que fica na Universidade de Fortaleza (Unifor) – Escritório de Prática Jurídica – localizada à Av. Washington Soares, 1321, bairro Edson Queiroz.