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Artigo da juíza Verônica Margarida, publicado no jornal O Povo, na edição da quinta-feira, 21 de janeiro.

Tempos modernos

O tempo voa, escorre pelas mãos (Lulu Santos). Leva nossa juventude. Mas isso não me atordoa. Com otimismo, encaro o envelhecimento, reflexo de mudanças da alma (Virgínia Wolf).

Ao reencontrar colegas, vê-los galgando o último degrau da carreira, sinto que o tempo passa mais depressa para nós. O envelhecimento precoce salta aos olhos. O labor fatigante, o estresse, as restrições pessoais, as cobranças sociais e institucionais e tantas agruras podem explicar o que digo, mesmo sem rigor científico.

Passar longos e penosos anos em comarcas interioranas tem um preço muito alto, que muitos não estão dispostos a pagar. Há tempo que a magistratura deixou de ser uma carreira atrativa.

Muitos preferem, não sem razão, o aconchego da família à estrada espinhosa e solitária da magistratura. E não são poucos os que se arrependem de a terem escolhido.

Já se disse que somos cavaleiros solitários, sacerdotes, entre outros epítetos. Temos uma divina mi… Não, não há missão alguma a cumprir, senão um árduo caminho a percorrer, algo como passar pelo inferno, antes de chegar ao céu, que de azul celeste e brancas nuvens nada tem.

As mãos calejadas pela distonia ou câimbra do escrivão lembram-me do inicio da carreira, na Comarca de Umari. Decisões impressas em azul, por falta de tinta. Na falta desta, escrevia à mão, afinal somos unidades de produção, construtores de estatísticas. Falha a engrenagem judiciária, culpam-nos pelo resultado não alcançado, sem que nos sejam oferecidas condições de trabalho adequadas.

O endeusamento de metas e resultados é a depreciação de quem, de fato, os produz, realidade que não se quer enxergar. Multiplicam-se olhos que só veem o que lhe é conveniente. É mais fácil desviar o foco, tangenciar o problema, para não se correr o risco de ser por ele alcançado.

Máquinas são substituíveis. Nisso também nos assemelhamos a ela. Outras virão. Mãos novas substituirão minhas letras garrafais. Não agora. Ainda há tempo. Tempo de resistir. E resistir com esperança (Tolkien).

Um novo tempo virá. Ao retornar ao trabalho, depois de ter sofrido um colapso nervoso, o personagem vivido pelo cineasta Charlie Chaplin, no filme cujo nome intitula este artigo, encontrou a fábrica fechada. Por enquanto, as portas estão fechadas para nós. Num futuro próximo, estarão escancaradas! Oxalá que as eleições não demorem! A disfunção motora não imobilizou minha capacidade de decidir.

Verônica Margarida Costa de Moraes
[email protected]
Juíza de Direito Titular da 2ª Vara da Comarca de Baturité

Fonte: O Povo