Artigo publicado no Boletim Informação e Debate (novembro de 2015), revista da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.

O presente texto visa a tratar, de forma bastante sintética, de critérios para avaliação de magistrados em solo brasileiro, considerando a enorme complexidade da estrutura judicial no país.

A princípio, insta consignar que, no Brasil, o Judiciário, segundo a Constituição Federal de 1988 e com base no princípio da separação de poderes, é tido como um Poder independente, tanto no que se refere a sua precípua função de resolução de confitos por meio de sua prestação jurisdicional, a partir de regras pré-determinadas de distribuição de competências, quanto em relação à organização administrativa de sua estrutura, serviços, servidores e atividades de seus magistrados.

A outro giro, informação relevante é a de se considerar que, em que pese podermos aventar de certos critérios comuns a uma magistratura brasileira considerada em caráter “nacional”, na realidade, a estrutura da Justiça brasileira, com seus atuais cerca de 105 (cento e cinco) milhões de processos em trâmite, envolve uma signifcativa complexidade, própria de um país de proporções continentais. Assim, a despeito de regramentos específcos de cada um dos ramos da Justiça brasileira, percebidos pela divisão em Justiça Trabalhista, Justiça Eleitoral, Justiça Militar, Justiça Federal e
todos os demais Judiciários dos estados-membros da Federação, ainda há que se levar em consideração a divisão de instâncias, o que implica em uma diversificação de critérios para avaliação de magistrados. Em tese, estes deveriam envolver desde ministros das Cortes Superiores, passando por Desembargadores de Tribunais Federais ou de Tribunais Estaduais, até se chegar nos juízes de primeiro grau e juízes substitutos dos vários ramos da Justiça brasileira, conforme referido. Isto, sem contar com a própria divisão territorial que se deve fazer dos 27 (vinte e sete) estados brasileiros – contando-se com o Distrito Federal – que abarcam cada um destes segmentos do Judiciário brasileiro em geral e que, a depender do ramo que se está a tratar, podem ser considerados como unidades independentes, como nas Justiças Estaduais. Ou seja, além de cada estado-membro contar com seu próprio Judiciário, ainda sedia subdivisões de cada um dos ramos judiciários, como a Justiça Militar,
Justiça Federal, Trabalhista e Eleitoral. Assim, eventual critério de avaliação tem que abarcar todas essas nuances, que dependem das peculiaridades do tipo de atividade de cada tipo de Judiciário no Brasil. Pois bem, partindo dessa premissa, ao se analisar o Judiciário brasileiro de uma perspectiva geral, não se pode concluir por um critério absoluto ou critérios comuns de avaliação de todos os tipos de magistrados brasileiros – à exceção do quesito “produtividade”, lido aqui como critério objetivo de avaliação da produção individual de cada juiz. Ou seja, apenas esse critério, a ser melhor detalhado, serve hoje efetivamente de parâmetro geral para avaliação de um magistrado em qualquer instância judicial, de qualquer Tribunal e em qualquer fase de sua carreira, considerando, entretanto, a estrutura de suas respectivas unidades jurisdicionais e
comparação com os pares em mesmas condições.

De outra parte, em relação a outros critérios para se avaliar magistrados, a exemplo de participação em cursos de aperfeiçoamento, desempenho profissional no aspecto qualitativo de suas decisões e celeridade e presteza na entrega da prestação jurisdicional, têm-se que tais expedientes podem ser perfeitamente aferidos. Entretanto, a cobrança de requisitos como esses só é exigida no Brasil no caso de
o magistrado avaliado ter interesse em ser promovido e/ou removido, a teor do disposto nos artigos e incisos 93, II, “b”,”c” e “e” da Constituição Federal, devidamente regulamentados pela resolução nº 106, de 06/04/2010, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre critérios objetivos para aferição de merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de 2º grau. Em adendo, estejam
ou não concorrendo à promoção e/ou remoção, podem-se inserir critérios outros na avaliação de magistrados e que também constam do rol constante desta mesma resolução. Esses critérios se relacionam mais propriamente com uma avaliação de situação do magistrado na carreira e sobre se os magistrados estão ou não cumprindo deveres éticos e/ou funcionais, de forma a possibilitar que os mesmos possam
concorrer às referidas promoções e/ou remoções. Em determinados casos, os magistrados podem sofrer sanções legais de órgãos correicionais, como no caso de “retenção de autos além do prazo legal”. Dada a limitação deste espaço, tratemos, de forma bastante resumida, das duas classes gerais de critérios acima referidos2
. A primeira delas importa na avaliação objetiva da produtividade3, conforme apenas sugerido, mas que aqui se detalha a teor da redação do art. 6º da Resolução nº 106/2010, em que são considerados os atos praticados pelos magistrados no exercício direto da profssão, com base nos seguintes parâmetros:
I – Estrutura de trabalho: a – compartilhamento das atividades na unidade jurisdicional com outro magistrado – ou seja, se é titular sozinho, se é substituto ou auxiliar; b – acervo e fluxo processual existente na unidade jurisdicional; c – cumulação de atividades; d – competência e tipo do juízo; e – estrutura de funcionamento da vara (recursos humanos, tecnologia, instalações físicas, recursos materiais); II – Volume
de produção, com base em a) número de audiências e conciliações realizadas; número de decisões interlocutórias proferidas; número de sentenças proferidas, por classe
processual e com priorização dos processos mais antigos; e – número de acórdãos e decisões proferidas em substituição ou auxílio no 2º grau, bem como em Turmas Recursais nos Juizados Especiais; f – tempo médio do processo na Vara. Todos esses parâmetros avaliam a produtividade com base na média de trabalho realizada por juízes alocados em unidades jurisdicionais com características similares.

Já no que toca propriamente aos critérios gerais a se permitir que magistrados concorram a vagas de promoção e/ou remoção por merecimento4 , consoante o art. 3º da Resolução nº 106/2010 do CNJ, deve o juiz = I – contar com no mínimo 2 (dois) anos de efetivo exercício, devidamente comprovados, no cargo ou entrância; II – figurar na primeira quinta parte da lista de antiguidade aprovada pelo respectivo Tribunal; III – não retenção injustificada de autos além do prazo legal; IV – não haver o juiz sido punido, nos últimos doze meses, em processo disciplinar, com pena igual ou superior a de censura. Superada a fase de avaliação destes primeiros critérios, o próprio Tribunal, por meio de seus membros com direito a voto, podem se valer dos critérios constantes do art. 4º da mesma resolução, quais sejam: I – desempenho (aspecto qualitativo da prestação jurisdicional); II – produtividade (aspecto quantitativo da prestação jurisdicional); III – presteza no exercício das funções; IV – aperfeiçoamento técnico, adequação da conduta ao Código de Ética da Magistratura Nacional. A título de esclarecimento e apenas exemplifcativo, a presteza (art. 7º I da Res.106/2010) é avaliada com base na dedicação = a) assiduidade ao expediente forense; (…) c) gerência administrativa; (…) i) inovações procedimentais e tecnológicas para incremento da prestação jurisdicional; (…) k) alinhamento com as metas do Poder Judiciário, traçadas sob a coordenação do CNJ. A celeridade (art. 7º II da Res.106/2010) a) observância dos prazos processuais (…) b) o tempo médio
para a prática de atos; c) o tempo médio de duração do processo na vara, desde a distribuição até a sentença. Também segundo o art. 8º da mesma norma, na avaliação do aperfeiçoamento técnico, considera-se = I ) a frequência e o aproveitamento em cursos ofciais ou reconhecidos pelas Escolas Nacionais respectivas (…), II) os diplomas, títulos ou certifcados de conclusão de cursos jurídicos ou de áreas afins e relacionados com as competências profissionais da magistratura, realizados após o ingresso na carreira; III – ministração de aulas em palestras e cursos promovidos pelos
Tribunais ou Conselhos do Poder Judiciário, pelas Escolas da Magistratura ou pelas instituições de ensino conveniadas ao Poder Judiciário. Ao cabo, sobre a avaliação de adequação da conduta ao Código de Ética da Magistratura Nacional, de maneira referencial pode-se destacar a necessidade de magistrado atuar com a) independência, imparcialidade, transparência, integridade pessoal e profissional, diligência, dedicação,
cortesia, prudência, sigilo profissional, conhecimento e capacitação, dignidade, honra e decoro.

De tudo, vê-se que, acaso o objetivo seja o específco de se permitir a movimentação do magistrado na carreira, são vários os critérios de avaliação a serem observáveis – sendo que, por outro prisma, os magistrados são avaliados de maneira geral em sua produtividade e apenas quanto ao não atendimento de alguns deles, como retenção injustificada de processos, violação de deveres de cunho ético, como imparcialidade,
podem até mesmo gerar sanções disciplinares. A toda a evidência, conclui-se que a despeito da existência de normas esparsas, como as resoluções citadas do Conselho
Nacional de Justiça e Loman – Lei Orgânica da Magistratura Nacional (estabelecendo direitos e deveres de juízes) –, carece a magistratura brasileira de um sistema geral, adaptável a cada tipo de Justiça e acessível à sociedade. Assim, prevê-se, cada magistrado poderá se enquadrar nesses parâmetros e acompanhar seu próprio desempenho durante cada fase de sua carreira.

1 André Reis Lacerda – é juiz de Direito no Brasil – Estado de Goiás. Diretor de Comunicação da Associação dos Magistrados de Goiás – ASMEGO e Secretário da Comunicação da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB. Secretário Geral da Escola Superior da Magistratura de Goiás – ESMEG. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa – Portugal. Pós Graduado em Direito Administrativo – Instittuto de Direito Administrativo em Goiás – IDAG, Direito Constitucional Universidade Federal de Goiás – UFG, MBA em Gestão do Poder Judiciário – Fundação Getúlivo Vargas/Rio FGV/TJGO; Pós graduando em Direito da Infância e Juventude – ESMEG.
2 Faz-se aqui a devida ressalva que tais critérios não são utilizáveis para o acesso aos Tribunais
Superiores brasileiros, vez que dependem de um sistema definido constitucionalmente
de seleção prévia de candidatos provenientes de entidades como a OAB – Ordem dos
Advogados do Brasil e Ministério Público, com crivo do Tribunal que se quer adentrar como é o caso do STJ – Superior Tribunal de Justiça e posterior indicação pela Presidência da República. No caso do STF – Supremo Tribunal Federal, adotando-se os critérios prévios de “reputação ilibada e notável saber jurídico” – critérios estes extremamente vagos, basta a indicação pela Presidência da República. Também, há que se ressaltar que, após a entrada dos Ministros nos respectivos Tribunais, afora situação excepcionalíssima de procedimento de “impeachment” não são aferidos critérios para avaliar a conduta e atuação profissional dos mesmos – já que não há maiores sanções ou interesse em ascensão em suas respectivas carreiras.
3 Vide também Provimento nº 49/15 do CNJ – Institui e regulamenta o Módulo de Produtividade Mensal do Poder Judiciário dos juízes e serventias judiciais.
4 Note-se que estas regras do art. 3º , incisos I, III e IV da Resolução nº 106/ 2010 também são comportáveis quando da aferição de pedidos de promoção e/ou remoção por antiguidade.

 

 

Fonte: Asmego