CONSULENTE: Associação Cearense de Magistrados – ACM
PARECER
Ao Excelentíssimo Senhor
Dr. ANTONIO ALVES DE ARAÚJO
M.D. Presidente da Associação dos Magistrados – ACM
Senhor Presidente:
Rogou-nos essa respeitada entidade manifestação sobre alguns temas objeto de análise e discussão em recente Assembleia Geral da categoria dos Magistrados, solicitação que ora cuidamos de atender.
De início nos reportamos à possibilidade de a ACM dirigir ao Supremo Tribunal Federal uma RECLAMAÇÃO, dado o alegado descumprimento, pelo Tribunal de Justiça do Ceará, da determinação judicial no sentido de que seja pago, nos moldes nela determinados, o “Auxílio Moradia” aos Juízes cearenses.
Como sabido, a Reclamação Constitucional visa a preservar a competência e garantir a autoridade das decisões do STF, a teor do que dispõe o art. 102, I, l, da Constituição da República.
De lembrar que o mencionado decisum – de índole monocrática e proferida liminarmente pelo Ministro Luís FUX – resultou da propositura de ação judicial por alguns Magistrados Federais, havendo sido a AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros admitida no feito como amiga da corte, do que resultou a larga abrangência da referida decisão, a beneficiar todos os Juízes brasileiros.
A ACM, por sua vez, é apenas terceira interessada no feito, o que nos leva a concluir que a iniciativa da Reclamação caberia apenas à própria AMB. Tal afirmação é feita sem que se avalie, neste momento, o próprio cabimento da medida. Tanto é assim que, segundo informação obtida por V.Exa., a assessoria jurídica da AMB entendeu imprópria a protocolização da Reclamação e optou por adotar providência diversa.
Como quer que seja, manda a prudência sugerimos que se aguarde o resultado das corretas e adequadas providências tomadas pela AMB em defesa dos legítimos interesses da classe. Isto, porém, sem deixar de observar que, caso a decisão individual do Ministro Relator seja cumprida, mas, empós, reformada (e os debates sobre a consistência jurídico-constitucional da medida hão sido muito intensos), os seus beneficiários seriam, em tese, obrigados a devolver as quantias recebidas. A não ser que, obviamente, modulada uma suposta e eventual decisão declaratória da inconstitucionalidade da medida.
No que respeita à segunda questão, alusiva à propositura, pela ACM, de uma AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA pelo mesmíssimo motivo – não pagamento do “Auxílio Moradia” – sentimo-nos no indeclinável dever de lembrar a V.Exa. e seus digníssimos pares, respeitosamente, ser juridicamente incabível tal medida. Se se trata, em tese, de descumprimento de ordem judicial – que a Presidência do TJ/CE assevera inexistir, na medida em que não dispõe de recursos orçamentários a tanto suficientes, poder-se-ia cogitar da prática de crime de responsabilidade, ensejador da perda do mandato.
Mas esse crime, enfim, estaria a ser praticado pelo Exmo. Sr. Governador do Estado do Ceará, a quem a Presidência do Tribunal de Justiça – é esta a notícia que se tem – teria enviado solicitação no sentido de que se obtivesse, pelos meios legal e constitucionalmente admitidos, dotação orçamentária bastante à satisfação do pagamento do auxílio-moradia.
Ora, é sabido que os mandatos dos atuais Excelentíssimos Senhores Presidente do TJ/CE e do Governador do Estado estão em vias de se encerrar. Cabe, pois, a sugestão de que mais prudente talvez fosse reiterar, no próximo ano de 2015, as retrocitadas solicitações, quando já houverem assumido aos novos Chefes dos Poderes Judiciário e Executivo estaduais.
Pertinentemente ao PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS, JUNTO AO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ, com o fito de analisar a regularidade de Convênio com a “Fundação Demócrito Rocha”, rogamos a V.Exa. que nos remeta o inteiro teor desse Convênio, de modo a nos tornar possível o exame pretendido.
Quanto ao DUODÉCIMO do Poder Judiciário, objetivando sua autonomia financeira, a questão é, mais precisamente, a seguinte: fere algum preceito fundamental o fato de não haver o repasse de um percentual fixo do orçamento (ou do PIB) para o Poder Judiciário, de modo a que este disponha, efetivamente, de autonomia financeira?
No que respeita à ADPF por não cumprimento da simetria existente entre os integrantes da Magistratura e os integrantes do Ministério Público, mais especificamente: haveria afronta à preceito fundamental o fato de que não há uma equiparação (do ponto de vista de direitos não remuneratórios, por exemplo) entre as vantagens da Magistratura e as do MP?
Em primeiro lugar parece interessante proceder-se a uma explicação geral – que valerá para ambos os itens – a lançar luzes sobre as hipóteses genéricas de cabimento da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental.
São duas as modalidades de ADPF: a autônoma e a incidental. Nesta última modalidade parte-se de uma controvérsia judicial posta, um processo em andamento, no bojo do qual se daria a afronta a preceito fundamental. Como se nota, não se trata desta modalidade de ADPF, que eventualmente caberia nas hipóteses levantadas pela consulente. Na modalidade autônoma, a ADPF ganha contornos da clássica ação de controle concentrado-abstrato-direto da constitucionalidade proposta diretamente perante o STF. Em caso de cabimento (o que se analisará a seguir) seria na modalidade autônoma.
Outra característica marcante da ADPF é o seu caráter subsidiário. Isto é, este instrumento de controle da constitucionalidade só pode ser manejado quando não houver qualquer outro meio eficaz de se sanar a lesividade ou ameaça de lesividade.
Não parece haver, no primeiro caso, ferimento a nenhuma preceito fundamental. É que a escolha da modalidade atual de repasse de recursos ao Poder Judiciário é uma opção política do legislador que, dentre outras opções igualmente viáveis sob uma perspectiva jurídico-constitucional, optou por esta. Ainda que se reconhecesse ferimento à autonomia financeira do Tribunal, em decorrência desta opção política do legislador, esbarrar-se-ia em outras questões de ordem formal a impedir o ajuizamento de ADPF pela ACM.
A primeira e mais óbvia de todas é a ilegitimidade ativa da ACM para a propositura da ação, uma vez que a Lei 9.882/99 trouxe como legitimados para tal os mesmos legitimados para propor a ADI, isto é, dentre outros, as “entidade de classe de âmbito nacional”. Assim, quem disporia de tal legitimidade seria a AMB.
A segunda questão impeditiva seria o fato de que caberia, em tese – desconsiderando o aspecto material e atendo-se apenas ao formal – ADI que teria como objeto as normas autorizativas e regulamentadoras deste modelo de repasse financeiro ao Poder Judiciário. Neste caso o não cabimento se dá em face do princípio da subsidiariedade aplicável à ADPF.
Entendemos ser possível, todavia, por em discussão a questão da simetria entre magistratura e MP. Existem motivos mais do que razoáveis para que os magistrados pleiteiem equiparações referentes a eventuais diferenças nos subsídios e nos direitos de natureza não remuneratória, percebidos ou auferidos por uma carreira e não por outra.
Aliás, a súmula 339 do STF, a determinar que “não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”, não parece ser aplicável a este caso. Isto porque a própria jurisprudência do STF é pacífica quando diz que a equiparação pode ser autorizada se a fonte da isonomia for constitucional, a exemplo das decisões sobre a extensão do aumento de 28,86% dos militares para os servidores civis e extensão da GDATA para os servidores inativos, nos mesmos índices concedidos aos ativos. Isto tudo porque há uma simetria imposta constitucionalmente entre os integrantes da Magistratura e os membros do Ministério Público. Ou seja, a fonte da simetria é totalmente fundada na Constituição.
Apesar destas considerações de mérito, pensamos que não ser cabível o manejo da ADPF por parte da ACM, que carece legitimidade ativa para a propositura de tal ação perante o STF.
Assim, por razões as mais diversas, acima expostas, entendemos não serem cabíveis as Arguições por Descumprimento de Preceito Fundamental.
Sobre o cabimento de ADI estadual quanto à simetria entre as carreiras da Magistratura e do Ministério Público, faz-se, inicialmente, ligeiro arrazoado a respeito do aspecto material do problema proposto para, empós, apresentar as alternativas que o direito processual constitucional oferece para que se busque a jurisdição constitucional em busca da efetivação da Lex Magna.
O Ministério Público sempre postulou que se reconhecesse a sua igualdade relativamente ao Judiciário, no que diz respeito às prerrogativas e ao regime jurídico da Magistratura, sendo certo que a Assembleia Constituinte que produziu a Carta de 1988 foi o palco em que estas discussões se agudizaram e tal isonomia acabou por iniciar uma sua consolidação no texto e vivência constitucional brasileiros.
Em 2004, com a promulgação da Emenda Constitucional 45, deu-se o que o Professor (hoje Ministro do STF) Luís Roberto Barroso chamou de “coroação” do “processo de aproximação do MP em relação à Magistratura, ao se determinar que ambas as carreiras seguissem “um mesmo regime jurídico”. Este processo de equiparação do MP à Magistratura não se dá de maneira isolada no Brasil, mas se trata de algo que tem se efetivado na imensa maioria dos países democráticos, com vistas a prestigiar a função fiscalizatória da aplicação da lei tanto quanto assim se fez quanto à função jurisdicional, que visa a dar resposta institucionalizada às situações de conflito que se institucionalizam.
O que se extrai desta breve recuperação histórica é a ideia de que existe a clara intenção do Texto Supremo (intentio legis) quanto à equiparação dos regimes jurídicos do Ministério Público e da Magistratura, a significar que as carreiras devem guardar isonomia entre seus regimes remuneratórios.
Isto não pode significar que “um seja mais igual do que o outro” – para fazer referência à ironia orwelliana segundo a qual “os seres são todos iguais, mas uns são mais iguais do que outros”. Se o Ministério Público tem os mesmos direitos e garantias da Magistratura, esta há de ter os mesmos direitos e garantias daquele. Este é o inescapável parâmetro da constitucionalidade que se deve levar em conta nesta discussão.
Sob a perspectiva processual constitucional, pode-se afirmar que as seguintes alternativas se colocam como possíveis para se acionar o Poder Judiciário, quais sejam:
a) ação direta de inconstitucionalidade, a ser protocolizada pela AMB no STF;
b) ações individuais por parte de cada magistrado (ou grupo de magistrados) em que se pede o direito de gozar das mesmas vantagens remuneratórias do Ministério Público.
Não está claro, porém, sob nossa ótica preliminar, ser cabível ADI estadual, a ser proposta, perante o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, pela ACM. Ficamos, porém, à disposição para que se realize de estudo mais aprofundado e pormenorizado a respeito da questão meritória, bem como respeitante às alternativas processuais constitucionais apresentadas.
Fortaleza/CE, 19 de dezembro de 2014.
Valmir Pontes Filho
OAB/CE 2.310
Alcimor Aguiar Rocha Neto
OAB/CE 18.457