20140504_DN_Debates_e_Ideias_Diretas_Ja_no_Judiciario

DEBATES E IDEIAS
Diretas já no Judiciário
04.05.2014

A democracia, desde 1988, detém posição central no texto constitucional. Contudo, ressalta-se que o regime democrático ainda não se faz presente na eleição dos administradores dos tribunais. Isso porque, no atual modelo, além de apenas os desembargadores há mais tempo na corte estarem aptos a disputar os cargos diretivos, tão somente os membros do tribunal pleno possuem a prerrogativa de votar, em detrimento dos demais juízes daquela jurisdição. Associar antiguidade à competência para gerir acarreta dificuldades na realização da prática administrativa. Existe, portanto, um ciclo vicioso, porque já se tem conhecimento de que tão somente o transcurso do tempo no exercício da função de desembargador ocasiona a eleição do magistrado, independentemente de seus conhecimentos técnicos de gestão. É cediço que o tempo acarreta experiência, não necessariamente competência administrativa. Ademais, tal forma de deliberação, considerando a noção hierarquizada do Poder Judiciário pátrio, exclui os magistrados de primeiro grau do processo de escolha e acarreta, na maioria das vezes, um descaso dos dirigentes para com os juízes que atuam na primeira instância.

No Congresso Nacional, duas propostas de emenda constitucional pretendem instituir a eleição direta nos tribunais, quais sejam: a PEC n. 15/2012 e a PEC n. 187/2012. Tais projetos objetivam conferir direito de voto para todos os juízes na escolha dos dirigentes das cortes, assim como tornar qualquer desembargador elegível, de modo a integrar o Judiciário ao regime democrático instaurado pela Constituição de 1988. É uma contradição conferir a proteção aos princípios democráticos a todos os cidadãos e, ao mesmo tempo, tutelar, no interior dos tribunais, uma submissão imposta, caracterizada muitas vezes por uma gestão centralizadora e arcaica, desprovida de caráter técnico. Se o Judiciário também possui a finalidade de garantir a democracia, viola o bom senso inexistir democracia em sua própria estrutura, que acaba sendo hierarquizada e distanciada da noção de República, pois nulifica a vontade dos demais magistrados vinculados à corte. Embora seja o guardião da democracia, o Judiciário está longe de possuir estrutura democrática, deixando ele, pois, de acompanhar a evolução das demais instituições nacionais.

Os juízes de 1º grau são pilares de sustentação, conhecendo as necessidades e os anseios do Poder Judiciário, posto que diariamente enfrentam problemas, de modo que a participação deles detém o condão de adequar a atuação da corte aos impasses concretos da jurisdição. Diversos tribunais brasileiros abandonam a primeira instância, conferindo boas condições de trabalho apenas ao segundo grau; e isso nada mais é do que um reflexo do processo eleitoral para a administração da corte. Não se pode admitir que o Judiciário, guardião da ordem democrática, não possua instrumentos que estabeleçam a democracia dentro de sua estrutura. A eleição direta revela uma forma de inserir a gestão democrática no âmbito do Poder Judiciário, porque a democracia possibilita uma direção comprometida com os anseios dos jurisdicionados e com os resultados almejados pela instituição, de modo que a presidência da corte deixará de ser uma “gratificação” para aquele desembargador que se encontra nos últimos anos de atividade jurisdicional, passando a ser um momento em que se discute o futuro e os projetos do Judiciário.

Em caráter conclusivo, tem-se que o Poder Judiciário, em sua estrutura administrativa, é antidemocrático. A democracia somente se consolidará no âmbito jurisdicional quando qualquer membro do tribunal pleno possa ser elegível, assim como quando todos os magistrados vinculados a uma determinada corte (1ª e 2ª instâncias) tenham o direito de votar. Ninguém melhor do que o julgador de primeiro grau para diagnosticar as necessidades da comarca destinatária de seu labor, em virtude de sua aproximação das partes e dos advogados, de modo que a aprovação das PECs tornará a magistratura capaz de influenciar nas deliberações acerca dos rumos do Judiciário, possibilitando um extenso e proveitoso debate, ensejando uma administração democrática, transparente e alinhada aos preceitos republicanos da Constituição de 1988.

Raimundo Nonato Silva Santos
Desembargador

Fonte: Diário do Nordeste