20140306_OP_Opiniao_Direito_Justica_Criminal_e_suas_deficienciasDIREITO
Justiça criminal e suas deficiências

Somos obrigados, portanto, a priorizar, seguindo alguns critérios, ações em detrimento de outras

É necessário e urgente que se priorize a justiça criminal, dotando-a de recursos imprescindíveis para assegurar prestação jurisdicional, se não excelente, como seria o ideal, ao menos minimamente condizente com as necessidades da sociedade. No processo penal, a maioria esmagadora da prova é produzida em audiência e raramente conseguimos ouvir todos os depoimentos relativos a determinado caso em uma única sessão. Quando estas não se realizam, o que é comum, os processos arrastam-se por anos sem solução ou, o que é pior, são atingidos pela prescrição, fenômeno que acarreta a perda do poder de punir do Estado.

Outro fator de morosidade é o excessivo número de demandas em relação à capacidade operacional das unidades judiciárias, no que diz respeito à designação e realização das audiências. Para se ter ideia, apenas na 17ª vara criminal do Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, da qual sou titular, tramitam em torno de 2.500 ações, número que nos impede de agendar e realizar, com brevidade, audiências de coleta de provas em todas aquelas ações. Somos obrigados, portanto, a priorizar, seguindo alguns critérios, mormente o da gravidade da acusação, ações em detrimento de outras.

Mesmo audiências agendadas, muitas vezes não se realizam, em face de gama de dificuldades que contribuem para o adiamento do ato e a demora no julgamento dos processos criminais, tais como: falhas na coleta de dados identificadores de acusados, vítimas e testemunhas durante o inquérito policial; mandados não devolvidos, não cumpridos ou cumpridos sem êxito pelos oficiais de justiça; falta de servidores; endereços não localizados; ausência de juízes e promotores de justiça sem as necessárias substituições; carência de defensores públicos; ausência injustificada de advogados; vítimas e testemunhas que, apesar de legalmente intimadas, não comparecem; presos não apresentados pela escolta dos presídios; ofícios não devolvidos; ausência de laudos; cartas precatórias não cumpridas; requisições não atendidas; expedientes não preparados ou encaminhados pela secretaria da vara etc.

Ainda assim, quando se consegue realizar audiência, é comum vítimas e testemunhas não recordarem mais os detalhes do fato criminoso, em face do longo decurso do tempo desde quando se deu o evento, acarretando, via de consequência, a absolvição do acusado por insuficiência de provas. O ideal, em face das peculiaridades do processo penal, seria que as instituições: poder Judiciário, MP, Defensoria Pública, Secretaria de Justiça, Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar, Polícia Civil e OAB priorizassem os atos de suas competências destinados a realização das audiências na seara criminal.

Marlúcia de Araújo Bezerra
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Juíza de Direito

Fonte: Jornal O Povo