Introdução

Esta noite se inicia uma caminhada de dois anos. Ao meu lado, qualificados quadros do Judiciário cearense, homens e mulheres cuja tenacidade, por anos, tem sido apurada no dia-a-dia das pelejas judiciais e dos embates associativos.

Cumpre-nos o desafio de administrar uma entidade que cada vez mais é chamada a confirmar um papel que a remete para além das questões meramente corporativas, num protagonismo social equiparável à relevância constitucional da classe que representa.

A magistratura nacional já há algum tempo deixou de ser um corpo uniforme, hegemônico, extraído das camadas aristocráticas da população.

Somos de variadas origens e carregamos diferentes experiências. Confirma esta afirmação uma análise rápida no perfil do judiciário cearense e da própria Diretoria que hoje toma posse.

A mistura de estímulos tão diversos é benéfica e reproduz o perfil de nossa nação, um povo caboclo, guerreiro, inventivo, sábio o suficiente para resistir mesmo às piores adversidades.

Nossa eleição simboliza a mudança que vem se desenvolvendo no cerne das entidades de classe e que aponta para o enfrentamento das críticas naquilo que têm de bom e de ruim.

O hábito de nos mantermos zelosos de nossa imparcialidade, submetidos a uma neutralidade indissociável do ato de julgar, influenciou, por tempo demais, na forma como aviamos nossa participação nos debates travados com os demais setores da sociedade.
 
Em resposta a esta atuação tímida, no que toca ao esclarecimento das vicissitudes da atividade a que estão dedicados esses quinze mil brasileiros que hoje compõem o tecido judiciário nacional, somos premiados pela incompreensão e pelo distanciamento da opinião pública que, por vezes, nos vê como instituição anacrônica e deslocada em relação ao conjunto das demais classes trabalhadoras.

Testemunha este fato sua Excelência, Desembargador Nelson Calandra, expoente máximo da Associação de Magistrados Brasileiros, e cuja presença nesta solenidade nos honra e nos aproxima, enquanto líderes de instituições co-irmãs.

Mais do que ninguém, este experiente dirigente tem devotado sua energia a cobrir a pauta de discussões que tem por tema o Judiciário, com inexoráveis conseqüências sobre a opinião pública.

Na forma como foi concebido nosso sistema de Justiça, a atuação do Poder Judiciário se dá em duas dimensões diferenciadas.

A primeira, de natureza política, evidencia-se através das decisões do Supremo Tribunal Federal, quando assume posições contra majoritárias de enormes conseqüências na condução das políticas públicas e das relações privadas, nesse mister, tem se tornado comum ser acusado de praticar ativismo judicial, à medida que, segundo seus críticos, estaria extrapolando sua funções.

Num outro plano, temos a dimensão não política do Judiciário, aquela voltada para a distribuição da justiça como meio de manutenção da paz social.

Aqui se exacerbam as críticas, a maior parte delas relativas ao moroso andamento dos processos, fator que oprime e frustra a todos quanto depositam na Justiça a esperança de realizar seus anseios.
 
Ainda que reconheçamos os avanços que os anos têm registrado, com especial relevo após o surgimento do Conselho Nacional de Justiça, órgão responsável por pensar o Judiciário nacionalmente e em seu nome, e a seu bem, propor políticas que melhorem sua atuação, tenho por predominante o sentimento de que muito ainda resta a ser feito.

Albergados por uma Constituição programática, extremamente detalhista, os brasileiros se lançaram à judicialização de suas querelas, seu “Day in Court”, como dizem os norte-americanos.

Perceberam do lado oposto do balcão, um reduzido quadro de Juízes, assessorados por um insuficiente número de servidores, quase todos com baixo nível de especialização.

Constataram as precárias estruturas de nossos fóruns pelo interior do país e sua incipiente informatização.

O quadro pintado acima, ganha ainda mais intensidade em suas cores quando visto sob a luz da Justiça Estadual, onde impera o desequilíbrio decorrente da diferença de fortuna entre as unidades federativas.

Para coroar esse estado de coisas, uma desarrazoada quantidade de recursos processuais, a entravar a entrega final da prestação jurisdicional.

Num contexto tão adverso é natural o aumento da intolerância popular contra a ineficiência do sistema.

Contudo, deve ser ressaltado, não existem soluções mágicas para tais dilemas, senão o trabalho. O esforço conjunto a exigir a participação de magistrados, gestores, parlamentares, membros do Ministério Público, da Advocacia, Defensoria Pública, sociedade civil organizada em suas várias formas de apresentação e, por fim, mas não menos importante, a imprensa, esse poder de fato, cuja atuação será tão legítima e relevante quanto mais independente conseguir manter-se.

Talvez provocado por tamanhos desafios, eis que despontou nos últimos anos uma jovem liderança que logo comprovou ser o homem certo para confrontá-los.

Falo de Marcelo Roseno. Com ele tenho aprendido lições que espero saber utilizar na minha gestão. Seu comportamento ponderado camufla uma natureza corajosa e audaz que se beneficia de um raro tirocínio e capacidade de articulação.

Marcelo Roseno, à frente da Associação Cearense de Magistrados, ladeado por uma equipe de dedicados colaboradores, contando com o imprescindível apoio deste competente executivo, querido por todos, Angelim, planejou e colocou em prática uma rotina administrativa que trouxe agilidade, transparência e eficiência interna à entidade.

Mais do que isso, colecionou importantes conquistas, por vezes diretamente junto ao Tribunal, pela força de seus argumentos, em outras, por intermédio do Conselho Nacional de Justiça, titular que é este último do controle administrativo e financeiro sobre as Cortes Estaduais.

Da minha parte, desde já agradeço ao Marcelo o apoio e a amizade com que tem me brindado durante nossos anos de convívio.

Aproveito a ocasião para saudar a presença de sua Excelência Conselheiro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, esse ilustre cearense que dignifica por sua probidade e inteligência o Conselho Nacional de Justiça, e que por seus méritos foi um, de apenas dois conselheiros, a ser reconduzido ao cargo ao final de seu mandato.

São por todos conhecidas as dificuldades vivenciadas pela Justiça Estadual cearense, eis que pauta quase diária da imprensa local.

Em evidência os transtornos causados pela reforma do Fórum Clóvis Beviláqua; a virtualização inacabada dos processos judiciais; a lacuna provocada pela não instalação das varas criadas pela Lei 14.407/09; a alta taxa de congestionamento, insuflada por um aporte anual, em média, de 262.000 processos, a desafiar, como já dito, um insuficiente número de juízes e servidores; o corte orçamentário realizado pelo Executivo, com extensos prejuízos na implantação de programas já em andamento na Corte estadual.

Ocorre que a todos estes um se sobressai em urgência. Trata-se da condição de insegurança a que estão expostos os magistrados e os fóruns espalhados por todo o Estado. Nos últimos meses mais de dez fóruns foram invadidos no território cearense.

Ontem mesmo, mais um episódio a exemplificar esta realidade. Por volta das 17 horas o Fórum de Guaraciaba do Norte foi invadido por um homem armado de escopeta e que tinha o propósito declarado de matar o Juiz, que felizmente não estava no local.

Tal pessoa, sem que encontrasse qualquer resistência, ainda efetuou três disparos, dali se retirando sem ser incomodado, vindo a ser preso apenas quando já estava em plena fuga, ao volante de seu automóvel.

Outros magistrados cearenses já se encontram sob escolta policial, ameaçados em virtude da reação às suas decisões.
 
Entendemos que é dever do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, assim como interesse da própria sociedade, já que um judiciário amedrontado não interessa à democracia, envidar todos os esforços para a implementação da Resolução 104, do Conselho Nacional de Justiça, dotando nossos fóruns de dispositivos de defesa, mas, acima de tudo, de vigilância armada e treinada, já que no quadro atual, ficamos a depender ou da Polícia Militar, que não tem homens suficientes para a execução de sua atividade original, prevenção, ou sujeitos à improvisação bem intencionada, mas totalmente ineficaz, de servidores cedidos pelas prefeituras, a realizar um trabalho para o qual não demonstram qualquer preparo.

Urge a contratação de mão de obra especializada, nos termos já encontrados no demais ramos do poder Judiciário nacional, ou ainda, o concurso público para agentes de segurança a serem lotados em todas as unidades judiciárias do Estado.

Por fim despeço-me sabendo que muita haveria a ser dito. Uma exposição responsável sobre os graves problemas do Judiciário demandaria horas e certamente alguém bem mais qualificado para fazê-lo.

Nosso grupo se compromete com a luta intransigente em defesa de uma melhor estrutura de trabalho para magistrados e servidores; pela conclusão das obras do Fórum Clóvis Beviláqua; pela implementação responsável do processo de digitalização de autos; pela adoção de uma política de segurança compatível com a necessidade atual; pela ampliação e fortalecimento da participação da magistratura na elaboração e execução do orçamento destinado ao Judiciário; pela criação de um núcleo permanente de acompanhamento dos associados em situação de estresse e depressão, fato que tem se tornado comum dentro de nossas hostes.

Pugnamos ainda pela criação dos cargos de assessores de Juízes de primeiro grau, como forma de tornar mais ágeis os julgamentos.

No plano nacional defendemos a eleição direta para os cargos diretivos dos tribunais; a manutenção da aposentadoria aos setenta anos de idade; o fortalecimento do Conselho Nacional de Justiça, enquanto órgão central de planejamento estratégico e de controle do Poder Judiciário, em sua missão de tornar efetivo o propósito de uma Justiça una e nacional, atuando para extirpar as desigualdades regionais.

Estas são as premissas básicas a partir das quais começaremos o trabalho, para o êxito do qual conto com a ajuda de Deus e a compreensão e apoio da minha amada família, na pessoa de minha esposa Eveline, companheira de tantos desafios e porto seguro para onde navegam meus pensamentos nas horas mais duras do dia.

Aos meus filhos que agora vêem seu pai em um momento tão especial de sua vida, fica o exemplo de que a vida deve ser vivida com toda a coragem que se dispuser e a que faltar devemos buscar nos amigos que conosco partilham a caminhada.

Aos meus irmãos e irmãs e a todos que integram minha grande família, o reconhecimento de que tudo seria muito mais difícil sem vocês.

Obrigado a todos.

Por Juiz Ricardo de Araújo Barreto – Presidente da ACM