A condenação a 94 anos da empresária Eliana Tranchesi, dona da loja de produtos de luxo Daslu, por sonegação fiscal, causou uma nova celeuma no País, com acusações de que houve desproporcionalidade na pena, levando-se em conta a realidade penal brasileira, onde autores de crimes hediondos são condenados a penas bem inferiores, e acusados de corrupção ficam geralmente impunes. Para outros, contudo, trata-se de um marco na Justiça, demonstrando que a classe mais alta também começa a ser punida.
GRAVIDADE
“Por força da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, os Juízes estão proibidos de opinar sobre a correção ou não de decisão judicial. Contudo, sem adentrar o mérito da sentença, é lícito dizer que em qualquer país civilizado o crime de sonegação fiscal é gravíssimo, o que até bem pouco tempo não ocorria no Brasil. É pouco provável que um Juiz Federal, sobretudo um Magistrado que recusou recente nomeação para compor o TRF de sua Região, pudesse cometer abuso dessa natureza. Entretanto, como não conheço o teor da denúncia e da sentença, não posso afirmar se houve excesso no quantum da pena cominada”.
ADEMAR MENDES BEZERRA
Presidente da Associação Cearense de Magistrados
EXCESSO
“A sentença condenou a empresária por um elenco de crimes, como formação de quadrilha, descaminho, falsidade ideológica, etc, sendo que considerando tais delitos como se praticados por mais de uma vez. A meu sentir, a decisão foi exagerada e deve ter desprezado a regra do art.71 do Código Penal que trata do chamado “crime continuado” que prevê a aplicação apenas da pena do crime mais grave aumentada de um sexto a dois terços, isso em razão das condições de tempo, lugar e execução. Em suma, o excesso será, sem dúvida, corrigido pelas instâncias superiores.
LEANDRO VASQUES
Advogado criminal, Mestre em Direito-UFPE e Professor de Direito da Unifor
FUNDAMENTAÇÃO
“Uma opinião acerca da justeza da pena em um caso concreto requer maiores conhecimentos acerca do processo, o que não disponho, em que pese tenha lido boa parte das quase quinhentas páginas da decisão condenatória. Cumpre ressaltar que não foi apenas sonegação fiscal, mas também formação de quadrilha, falsidade ideológica, descaminho etc. A sentença foi fortemente fundamentada, mas é garantido à ré recorrer do “decisum”. A sociedade muitas vezes se horroriza com penas altas para delitos desta natureza porque se acostumou a considerar crimes passivos de penas mais severas aqueles cometidos com violência contra a pessoa, entretanto, os danos sociais advindos de crimes do colarinho branco são imensuráveis e de uma ou outra forma acabam por fomentar a violência que vemos nas ruas”.
JOÃO RICARDO FRANCO VIEIRA
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Ce
RAZOABILIDADE
“Causa-nos espécie um ré primária ser condenada por 94 anos de prisão. É princípio basilar da quantificação da pena a individualização da reprimenda, que significa o agir da razoabilidade, para que a pena alcance seu tríplice fim de retribuição, prevenção e ressocialização do condenado. Fora disso, não haverá justiça, mas apenas matéria-prima para manchetes de jornais.”
PAULO QUEZADO
Advogado
IMPUNIDADE
“Não discordo da sentença condenatória no caso Daslu por sonegação fiscal (com certeza o crime mais praticado pelos ocupam o andar de cima). Um dos grandes problemas para enfrentar a criminalidade no País, sem discutir se o crime é contra a pessoa ou o patrimônio público e privado, é a certeza da impunidade, principalmente, entre os que “se acham” e podem tudo, inclusive mudar sentenças. Como cidadã espero que o caso não termine nas estatísticas da impunidade e que os criminosos paguem pelos seus crimes”.
GLAUCÍRIA MOTA BRASIL
Coordenadora do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania da Uece
REGRAS
“A condenação foge por completo às regras da aplicação da pena, ao conceito de concurso de delitos e aos mais elementares conhecimentos do Direito Penal Brasileiro. A sonegação fiscal é crime banal com pena cominada entre 6 meses a 2 anos de detenção (Lei 4729/65). Se, para sonegar, o agente se envolve em atividade-meio, como declaração falsa, omissão de informação, inserção de elementos inexatos, alteração de faturas etc. a sonegação absorve esses ilícitos, permanecendo só o delito fim. Se tais práticas se repetem durante muito tempo, tem-se a figura do crime continuado, considerando-se um único crime com acréscimo de pena equivalente no máximo a dois terços da pena aplicada.”
JURANDY PORTO
Advogado